Conta uma parábola de origem judaica que a Mentira e a Verdade, em um dia de sol, saíram a caminhar no campo. E resolveram banhar-se nas águas de um rio que se apresentava muito convidativo. Cada uma tirou a sua roupa e caíram na água. Mas, a um dado momento a Mentira aproveitou-se da distração da Verdade, saiu da água e vestiu as roupas da Verdade. Quando esta saiu da água, negou-se a usar as vestes da Mentira. Saiu nua a perseguir a Mentira. As pessoas que as viam passar acolhiam a Mentira com as vestes da Verdade, mas proferiam impropérios e condenações contra a atitude despudorada da Verdade. Moral: as pessoas estão mais dispostas a aprovar a Mentira com vestes de Verdade do que enfrentar a Verdade nua e crua.
A parábola apresenta uma realidade da comunidade dos seres humanos. Aquilo que mostram nem sempre corresponde à verdade. Mais, as pessoas na sociedade atual consomem tempo e dinheiro para construir vestes vistosas que possam ocultar a realidade da vida. Torna-se uma segunda natureza, artigo que não pode faltar no dia a dia. Há uma indústria de cosméticos, de vestuário, de perfumaria que assumem o nível de primeira necessidade na vida do ser humano. E tantas vezes eles existem para esconder imperfeições ou aspectos menos aceitáveis da própria pessoa.
Outra característica da sociedade hodierna é a exposição da imagem. Os meios de comunicação são especializados em produzir aparências. Aquelas imagens que aparecem na TV são produzidas para provocarem impacto. Quando as pessoas mostram admiração pela imagem apresentada por nós, reagimos como se a imagem fosse o eu verdadeiro. Na sociedade atual somos educados a esconder a verdade que somos nós. Já dizia Fernando Pessoa “o poeta é um fingidor, finge tão completamente que chega a fingir que dor, a dor que deveras sente”.
É da natureza humana o querer apresentar uma imagem de si, melhor do que a realidade. Podemos afirmar de nós mesmos que não somos tão bons, tão justos, tão generosos, tão honestos como fazemos acreditar. Dar-se conta disto é o caminho para se chegar à verdade de si mesmo. Diz o Evangelho: “a verdade liberta”. O mundo da aparência traz consigo o peso da escravidão. Um exemplo: Quando o casamento é realizado sobre aparências que encobrem a verdade, acaba se tornando insustentável. Descobrir a verdade sobre nós mesmos, sobre a realidade que nos cerca, é o caminho de libertação.
Para terminar, uma frase atribuída a Bismark: “Nunca se mente tanto como antes das eleições, durante a guerra, e depois de uma caçada”.
Por Dom Wilson Tadeu Wönck
Arcebispo de Florianópolis
Artigo publicado na 6ª edição da Revista de Verão, página 02.