“Tem que ter muito amor, paciência, compreensão. Sem amor não se consegue fazer nada, não somente na Quaresma, mas no ano todo”. Estes são alguns dos ingredientes que a dona de casa Celia Maria Schaefer, da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, de Guabiruba, acrescenta para este tempo quaresmal.
Curso de doces de Natal (Paróquia de Guabiruba) | Foto: Arquivo pessoal
Celia é coordenadora do Serviço de Assistência Social Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, da paróquia, onde atua voluntariamente há 20 anos. Com a morte do filho, aos 20 anos de idade, ela encontrou o sentido para a vida no trabalho da ação social. E a receita para bem viver a Quaresma tem mais ingredientes. “Sem caridade não tem fraternidade. E, como este ano o tema da Campanha da Fraternidade aborda a violência, mais do que nunca, a caridade precisa caminhar junto com a fraternidade”, acrescenta Celia Schaefer.
Na ação social da paróquia são doadas cestas básicas, roupas, utensílios, são oferecidos encaminhamentos para a área da saúde e se promovem cursos de culinária. Para fechar a receita do bolo quaresmal, Celia afirma que a caridade não se vive apenas neste tempo, mas no ano todo. “Tem que viver a espiritualidade, que acaba transbordando no social da fé cristã. Ajudar o próximo que precisa, encaminhar para os órgãos e setores responsáveis, dar um conselho para que a pessoa tenha uma nova vida, tudo isso é muito gratificante”, conclui a voluntária.
Crianças de Guabiruba recebem doações de brinquedos | Foto: Arquivo pessoal
Os 40 dias que antecedem a Semana Santa, chamados de Quaresma, preparam para celebrar a Ressurreição de Jesus, o ápice da fé cristã. “É um tempo forte de conversão, de mudança interior, tempo de assumir tudo o que traz vida para nossas comunidades”, explicou o Reitor do Seminário de Azambuja, em Brusque, Pe. Francisco de Assis Wloch.
A caridade que vem de Brusque
Célia Benvenuti Fantini | Foto: Suelen Frainer
Na sua Regra Pastoral, São Gregório Magno recordava que “o jejum torna-se santo através das virtudes que o acompanham, sobretudo da caridade e de cada gesto de generosidade, que confere aos pobres e aos necessitados o fruto de nossa privação”.
Há 20 anos, Celia Schaefer leva generosidade para a comunidade da paróquia de Guabiruba, por meio das ações sociais e da prática da caridade por amor. Mas ela não está sozinha. Ali perto, na Paróquia Santa Teresinha, em Brusque, outra Célia também vive a caridade na prática.
Celia(de vermelho) no atendimento da Ação Social | Foto: Arquivo pessoal
A professora aposentada, Célia Benvenuti Fantini, é presidente da Sociedade de Promoção Social e Cultural da Paróquia Santa Teresinha. Lá, a Quaresma é o ano todo, em atos práticos de caridade com a doação de alimentos, roupas, fraldas para os mais necessitados, atendimento à gestante. “A gente pode viver uma caridade não somente no doar, mas no escutar, ser solidário, tentar amenizar o problema do outro que pede ajuda, ser gentil, caridoso no falar”, disse Célia Fantini. E prosseguiu: “nesta Campanha da Fraternidade que aborda a violência faz a gente tentar amenizar, de alguma forma, a violência. No nosso trabalho, muitas famílias que chegam até nós, vivem a violência dentro de casa. Por isso mesmo que entre nós, em nosso grupo de 35 voluntárias, procurarmos tratar um ao outro com respeito”, salienta Fantini.
Papa Francisco, na mensagem para a Quaresma de 2018, escreve que “a prática da esmola liberta-nos da ganância e ajuda-nos a descobrir que o outro é nosso irmão: aquilo que possuo, nunca é só meu. Como gostaria também que no nosso relacionamento diário, perante cada irmão que nos pede ajuda, pensássemos: aqui está um apelo da providência divina”.
As duas leigas, das Paróquias de Guabiruba e de Brusque, exercitam na prática esta mensagem do Papa, o ano todo
De Porto Belo, a dimensão política e social do tempo quaresmal
Evaldo Guerreiro Filho| Foto: Arquivo pessoal
Na Quaresma, tempo de forte busca de Deus, de conversão e de fraternidade, a Campanha da Fraternidade também ajuda neste caminho espiritual.
O advogado, esposo de Aline e pai de três filhas, Evaldo Guerreiro Filho, foi entrevistado pelo Jornal da Arquidiocese. Ele acrescenta mais alguns ingredientes da receita de transformação de vida que o cristão pode seguir, não apenas na Quaresma, mas todos os dias do ano.
Jornal da Arquidiocese (JA): Como viver a Quaresma nas dimensões social e política?
Evaldo Guerreiro Filho: : A Quaresma é um excelente momento para nos voltarmos às reflexões sociais e políticas, que devem ultrapassar o indivíduo e alcançar as relações que possuímos com nossas famílias, comunidades, nossa cidade e, porque não, com nosso país. A Campanha da Fraternidade é um grande exemplo disso. Todos os anos, a Igreja elege um tema para debater com seus fiéis e com a sociedade. É como se a Igreja colocasse o dedo na ferida e perguntasse: por que existem problemas sociais? Por que há desigualdades e violência? Por que existe miséria? Esse é um papel que a Igreja no Brasil resolveu assumir e é louvável.
Assim, para viver as dimensões do social e da política na Quaresma e em todo o ano, é necessário sairmos da nossa zona de conforto e participarmos da Igreja e da sociedade, em associações de moradores, Conselhos de Direito, CPCs, pastorais, ongs, sindicatos.
JA: Qual é o engajamento que uma pessoa deve ter, na transformação da realidade?
Evaldo: O engajamento só ocorre com participação, paciência e fé. Não há transformação da realidade sem a compreensão dela. E não falo de estudo ou conhecimento técnico. Muito pelo contrário. É necessário conhecimento que vêm da experiência da vida. Essas mudanças que a realidade precisa tendem a ultrapassar o tempo de nossa vida na terra.
Há séculos aqueles que são mais fortes e mais ricos exploram os mais fracos, que são a maioria. Estas maiorias, por sua vez, precisam fortalecer seus passos nesta caminhada e isso só ocorre com uma tomada de consciência crítica, proveniente da ação e da prática coletiva e das discussões e envolvimento na comunidade.
A Encíclica Laudato Sì, do Papa Francisco, nos traz muitos elementos para adquirir essa consciência crítica. Se observarmos as escrituras, uma das grandes ações de Jesus foi defender os mais fracos.
O tempo da Quaresma nos instiga a três passos diversos, embora absolutamente complementares e entrelaçados: o jejum, a oração e a esmola. O jejum é o exercício consigo mesmo, buscando vencer seus instintos mais primitivos. A oração é seu contato com Deus. A terceira dimensão, e é disso que queremos tratar brevemente, é a esmola, aquilo que fazemos aos outros, fruto de nosso esforço pessoal.
O tempo quaresmal é, de modo particular, uma escola de amor ao próximo, pois nos leva à dimensão da fraternidade. Fraternidade, palavra tão bonita, como diz antiga canção, significa laço ou parentesco entre irmãos. O lema da Campanha da Fraternidade de 2018 vem nos relembrar o que somos para Deus, não é verdade? Somos todos irmãos (Mt 23,8). Portanto a vivência entre nós pode e deve ser muito mais saudável, para dizer o mínimo.
Incutir nos homens e mulheres de nosso tempo essa ideia é totalmente utópico, mas é de utopia que vive a nossa fé. Aliás, São João nos chama a atenção: se dizemos que amamos a Deus, mas odiamos o irmão, somos mentirosos, pois é impossível amar a Deus que não vemos se odiamos o irmão que vemos (1 Jo4,20).
Está aí, escancarado diante de nós, o desafio! Aproveitemos esse tempo precioso, essa “campanha” (conjunto de esforços para chegar a um fim) da “fraternidade” (amor ao próximo) para estender para todo o ano e para toda a vida o hábito de ver e conviver como irmãos. Que desafio! É para toda a vida, mas vale a eternidade!
Por Diác. Dilney Tadeu Muller Funcionário Público do Porto de Itajaí Paróquia N. Sra. de Lourdes / Itajaí
Matéria publicada na edição de março de 2018 do Jornal da Arquidiocese, páginas 06 e 07.