Na tarde deste domingo (6), da tradicional Procissão do Senhor dos Passos, no centro de Florianópolis. Reconhecida como uma das maiores expressões religiosas do Sul do Brasil e patrimônio cultural imaterial de Santa Catarina, a celebração reuniu devotos de diversas partes do estado em um gesto de fé, esperança e devoção.
A programação teve início nas primeiras horas do dia, com a confecção dos tapetes ornamentais nas ruas Menino Deus, Bulcão Viana e Tiradentes. Voluntários de diferentes bairros se dedicaram à montagem dos tapetes com materiais como serragem, sal colorido, pó de café, areia, cascas de ovos e tampinhas plásticas, decorando o percurso da procissão com criatividade e espiritualidade.
Às 9h30min, a missa foi celebrada na Catedral Metropolitana com a participação da Irmandade do Senhor Jesus dos Passos. Às 16h, teve início a procissão com a imagem do Senhor dos Passos, que percorreu pontos históricos da cidade como a rua Tenente Silveira, rua Deodoro, Largo da Alfândega e Praça XV de Novembro.
O momento mais simbólico e tocante da celebração foi o Sermão do Encontro, na Praça XV, em frente à Catedral, onde as imagens do Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores se encontraram diante da multidão emocionada. A reflexão foi conduzida por Dom Onécimo Alberton, bispo auxiliar da Arquidiocese de Florianópolis, que iniciou sua fala com uma calorosa saudação:
“Queridos irmãos e irmãs, juntamente com minha saudação, trago o abraço de Dom Wilson, nosso Arcebispo Metropolitano, a todos os peregrinos e peregrinas aqui presentes, que movidos pela fé neste Ano Jubilar, e com espírito quaresmal, participam desta procissão do Senhor dos Passos, como Peregrinos de Esperança.”
Inspirado pelo lamento de Maria diante do sofrimento do Filho, Dom Onécimo conduziu sua reflexão com sensibilidade:
“O lamento materno toca-nos, é real na dor desta Mãe, que em seus braços impotentes acolhe o seu Filho Jesus. Com Ele, a Mãe abraça os filhos e filhas abandonados pelas ruas de nossa cidade, os doentes, os sofredores, os que clamam por justiça, os que são vítimas da violência e das drogas…”
Aos presentes, o bispo fez um apelo à solidariedade:
“Caros irmãos e irmãs, se tem algo que toca e comove o coração de Deus, é o clamor impotente de uma mãe, de um pai, em favor de um filho e de uma filha vítima vulnerável e indefesa. Esta realidade desafia-nos a todos para uma ação samaritana urgente.”
Dom Onécimo também convidou os fiéis a escolherem o caminho da vida, da justiça e da esperança:
“Este encontro simbólico destas duas imagens que representam também duas vítimas, nos confronta e nos indaga: de que lado nós estamos? ‘Diante de ti ponho a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida para que vivas com a tua posteridade’ (Dt 30,15). Escolhe, pois, a vida.”
Ao final do sermão, o bispo reforçou o chamado à oração como caminho para o amor e o serviço:
“Queridos irmãos e irmãs, peregrinos de esperança, como nos faz bem quando a nossa oração nos conduz ao encontro com o Nosso Senhor dos Passos e Nossa Mãe. Rezemos, irmãos e irmãs, para que nossos corações sigam fiéis os passos do Senhor dos Passos, que em tudo fez a vontade do Pai.”
A programação teve início na noite de sábado (5), quando cerca de 45 mil pessoas acompanharam o cortejo que antecede o encontro entre as imagens. Após o sermão, a imagem do Senhor dos Passos seguiu em procissão pelas ruas Tiradentes e Bulcão Viana, atravessou a avenida Mauro Ramos e subiu a rua Menino Deus, onde realizou o tradicional giro de 360 graus, gesto simbólico de despedida, antes de retornar à Capela Menino Deus, encerrando a programação.
Confira o Sermão do Encontro na íntegra:
SERMÃO DO ENCONTRO
Catedral Metropolitana de Florianópolis -se
6 de abril de 2025 * Ano Jubilar
Rogai por nós Santa Mãe de Deus. Para que sejamos dignos das
promessas de Cristo.
Nós vos adoramos Senhor Jesus Cristo e vos bendizemos. Porque
pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Queridos irmãos e irmãs, juntamente com minha saudação, trago o abraço de Dom Wilson, nosso Arcebispo Metropolitano a todos os peregrinos e peregrinas aqui presentes, que movidos pela fé neste Ano Jubilar, e com espírito quaresmal, participam desta procissão do Senhor dos Passos, como Peregrinos de Esperança.
Minha saudação carinhosa a todos os padres, diáconos, religiosos, religiosas, seminaristas e vocacionados. Saúdo também, na pessoa do Presidente do Conselho Curador, o Excelentíssimo Sr. Valter Brasil Konell, todos os demais membros da Fundação e Irmandade do Senhor dos Passos. Saúdo na pessoa do Excelentíssimo Governador Jorginho Mello, todas as autoridades políticas, civis e militares presentes nesta Procissão do Encontro.
“Ó vós todos que passais pelo caminho, olhai e vede se existe dor semelhante à minha dor!” (Lm, 1,12).
O lamento materno toca-nos, é real na dor desta Mãe, que em seus braços impotentes acolhe o seu Filho Jesus. Com Ele, a Mãe abraça com os mesmos sentimentos, os filhos e filhas, abandonados pelas ruas de nossa cidade, os doentes e sofredores, os que clamam por justiça, os que são vítimas da violência e das drogas … Com Jesus, a Mãe também abraça toda a “criação que geme como em dores de parto, e não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do espírito, gememos em nosso íntimo, esperando a adoção filial, a redenção do nosso corpo” (Rm 8,22-23). ‘Ó vós todos que passais pelo caminho’: bispos, padres, diáconos, religiosos e religiosas, povo de Deus, crentes e não crentes, governadores, deputados, prefeitos, vereadores e demais autoridades, ‘olhai e vede se existe dor semelhante à minha dor’.
Caros irmãos e irmãs, se tem algo que toca e comove o coração de Deus, é o clamor impotente de uma mãe, de um pai, em favor de um filho e de uma filha vítima vulnerável e indefesa. Esta realidade desafia-nos a todos para uma ação samaritana urgente em favor de tantos irmãos e irmãs que vivem nestas condições.
Este encontro simbólico destas duas imagens que representam também duas vítimas, nos confronta e nos indaga: de que lado nós estamos? “Diante de ti ponho a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida para que vivas com a tua posteridade … ” (Dt 30,15). Escolhe, pois, a vida.
Queridos irmãos e irmãs, tocados pelo amor desta Mãe e deste Filho que deu sua vida por nós, movidos pela fé, amemos a Deus sobre todas as coisas, amemos o próximo como a nós mesmos. Amemos toda a criação, nossa casa comum, “para que todos tenham vida e vida em abundancia” (Jo 10,10). Não amemos somente com palavras, mas corajosamente com ações concretas, pois o nosso “planeta está com humanidade baixa”. Amemos com urgência e demoradamente com muito cuidado, pois passamos depressa e o grito da vida clama aos céus.
Caros irmãos e irmãs, consta nos registros que outrora no percurso da história desta Ilha do Desterro, Jesus, o Senhor dos Passos, o Peregrino de Deus, simbolizado nesta imagem, aqui adentrou, ancorando seu coração misericordioso. Ele veio para nos amar e ensinar o que é o amor. Tudo o que aqui foi feito “Ele viu que era muito bom”. Preservemos este lugar de tantas belezas naturais, com a consciência de uma Ecologia Integral, como reflete a Campanha da Fraternidade deste ano. Sim! O Nosso Senhor do Passos, como chamamos, veio para abrir nossos corações ilhados e acolher a todos de além mar, para que pudéssemos construir pontes, criar conexões e não exclusões, veio fazer deste “pedacinho de terra perdido no mar”, um santuário da vida, da natureza, da família, um lugar para todos se sentirem filhos e filhas Deus. Veio fazer deste lugar um lugar Divino, para que com coração pascal pudéssemos cantar em nossas comunidades: “Vem nos tocar Santo Espírito/ Vem espalhar teus encantos/ Vem consolar teus aflitos/ traz com teu manto a justiça”.
Irmãos e irmãs, se naquelas circunstâncias as condições que impediam a saída da imagem foram sentidas à luz da fé como um sinal da manifestação de Deus, hoje a imagem do Senhor dos Passos diante da imagem de sua Mãe também se torna um sinal para nós reencontrarmos em Deus o caminho da nossa humanidade tão fragilizada. Encontrarmos o caminho da paz, num mundo ferido pelas guerras, e marcado por tanta violência e agressividade. Encontrarmos o caminho para valorizar cada vez mais a vida de cada irmão e irmã como um dom de Deus, que “deve ser preservado desde a sua concepção até a morte natural”, com o devido respeito e dignidade. Enfim, encontrarmos em Jesus e sua Mãe, o consolo que o nosso coração necessita, o alivio, a cura para nossas dores, a esperança de dias melhores. Sintamos irmãos e irmãs, o abraço desta Mãe sempre suplicada nestes momentos por nós desde criança.
Nestas horas, como na hora do encontro de Jesus com sua Mãe, sabemos que o carinho não tira a dor, mas nos dá o conforto da presença de não nos sentirmos sós. O afeto materno nos dá força para suportar toda dor, nos concede a graça da compaixão para fazer da dor do outro a nossa dor, e assim trazer alívio e resiliência para quem está ferido. Quantas vezes nossas mães, a exemplo desta Mãe, se encontram desfiguradas por uma dor visceral junto a nós seus filhos(as) feridos. Quantas vezes enxugaram nossas lágrimas, nos acolheram em seus braços, e assim como a Mãe de Jesus, certamente disseram sussurrando no ouvido: “Coragem filho(a), sua mãe está aqui”!
Queridos irmãos e irmãs, peregrinos de esperança, como nos faz bem quando a nossa oração nos conduz ao encontro com o Nosso Senhor dos Passos e Nossa Mãe. A oração concedeu a eles força e confiança em Deus. Na oração, muitos santos e santas encontraram forças para o exercício da sua missão, e realizar os planos de Deus.
Temos o exemplo de Santa Tereza de Calcutá, uma mulher que deu a vida pelos pobres. Esta santa repetia continuamente que a oração ero o lugar donde tirava força e fé para a sua missão de serviço aos últimos. Quando falou na Assembleia Geral da ONU, em 26 de outubro de 1985, mostrando a todos as contas do terço que trazia sempre na mão, disse: “Sou apenas uma pobre freira que reza. Ao rezar, Jesus põe o seu amor no meu coração e eu vou dá-lo a todos os pobres que encontro no meu caminho. Rezai vós também! Rezai, e sereis capazes de ver os pobres que tendes ao vosso lado. Talvez no mesmo andar da vossa casa talvez até nas vossas próprias casas há quem espera pelo vosso amor. Rezai, e abrir-se-ão os vossos olhos encher-se-á de amor o vosso coração” (Mensagem do Santo Padre Francisco, para a VIII Dia Mundial Dos Pobres, 2024, nº 08).
Rezemos, irmãos irmãs, para que nossos corações sigam fiéis os passos do Senhor dos Passos, que em tudo fez a vontade do Pai, e mesmo na dor mais cruel da cruz nos concedeu Maria por Mãe. Assim seja!
Por: Dom Onécimo Alberton
Bispo Titular de Dagno, Bispo Auxiliar e Vigário Geral da Arquidiocese de Florianópolis