Padre João Cardoso – Por Pe. José Artulino Besen

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Padre João Cardoso – Por Pe. José Artulino Besen
Padre João Cardoso – em 1959, neo-sacerdote

João nasceu no Barracão, Brusque em 16 de maio de 1925, filho de Armindo João Cardoso e de Rosa Cândido de Jesus. Numerosa família de 11 irmãos. Em família assim, os filhos recebiam apelidos, e a João coube o de “Janga”.

O pai sustentou a família com o trabalho agrícola e com um engenho de farinha, no Barracão. Aos domingos gostava de tocar bailes, e João era muito dado a festas, especialmente a danças, as domingueiras de domingo à tarde.

Com 15 anos recebeu o primeiro emprego, de tecelão na Fábrica Renaux.

O tempo passou e, sendo um homem maduro nos seus 21 anos, começou a se questionar o que faria da vida: trabalhar, dançar, divertir-se, namorar?

E pensou em ser padre. Procurou o pároco de Brusque, um padre dehoniano. Este respondeu-lhe que já estava muito maduro para entrar no Seminário. Era ideia corrente que alguém adulto já estaria com convicções formadas e seria difícil passar-lhe novos valores, amoldá-lo para o sacerdócio.

João foi ao Seminário de Azambuja e lá encontrou o bondoso reitor Pe. Bernardo Peters, que logo o acolheu.

E assim, em 1947, com 22 anos ingressou no Pré-seminário em São Ludgero, para estudar o Preliminar, curso de admissão ao ginásio, tendo em vista que tinha cursado apenas o primário.

Os estudos em Azambuja foram de 1948 a 1952, um peso a ser carregado. Ali aprendeu a amar confiantemente Nossa Senhora do Caravaggio.

Cursou a Filosofia no Seminário de São Leopoldo/Viamão, de 1953 a 1955. A Teologia em Viamão, de 1956 a 1958. Podemos imaginar o sacrifício que era para João Cardoso estudar em latim, mas, ele queria ser padre e a dificuldade estava incluída no caminho.

A ordenação diaconal foi em 21 de dezembro de 1958, na catedral de Florianópolis.

Finalmente, em 6 de dezembro de 1959, o arcebispo Dom Joaquim Domingues de Oliveira ordenou-o padre, também na catedral de Florianópolis. Estava com 34 anos de idade, com toda a força para viver o ministério sacerdotal.

Ministério sacerdotal

Os muitos anos de presbítero, 58 anos, foram vividos numa área relativamente pequena sempre no município de Florianópolis, na baía sul na Ilha e no Estreito, continente. E, para sua alegria, sempre sob o patrocínio de Nossa Senhora a quem dedicava todo o seu afeto.

Em 6 de dezembro de 1959 foi nomeado vigário paroquial de Nossa Senhora de Fátima e Santa Teresinha, no Estreito, Florianópolis. Ali teve início seu “roteiro” pastoral: missa, confissões, visitar e benzer casas e difundir o Rosário.

Em 17 de janeiro de 1962, foi transferido como vigário paroquial de Nossa Senhora do Desterro, catedral de Florianópolis, onde era pároco Pe. Francisco Bianchini, atendendo mais a comunidade da Prainha, cuja Padroeira escolheu: sua querida Santa Teresinha do Menino Jesus. Num ano ergueu e inaugurou nova igreja. Foi incansável sua dedicação aos pobres, organizando a distribuição de sestas básica doadas pelo serviço americano Aliança para o Progresso. Vivia-se o medo do comunismo, da influência soviética e ele pessoalmente estava atento a denunciar qualquer liderança que difundisse convicções políticas de esquerda. Para ele, o regime militar foi uma bênção de Nossa Senhora de Fátima, livrando o Brasil do comunismo ateu. Pe. Cardoso apreciava a Missa dos Homens, na Catedral, onde insistia na fidelidade conjugal e na confissão.

Empenhou-se na organização do Movimento Familiar Cristão – MFC, em 1965, buscando padres que aceitassem a direção espiritual das equipes.

Para sua alegria, em 13 de junho de 1966 recebeu a transferência para 1º Pároco de Nossa Senhora da Boa Viagem, Saco dos Limões, Florianópolis. Terminou a construção da igreja matriz, construiu o salão paroquial e a capela da Costeira do Pirajubaé. Foi exemplar sua dedicação ao povo, aos pobres, a cada ano benzendo as casas. A bênção era dada de modo prático e rápido: no domingo comunicava as ruas pelas quais passaria na semana e pedia que se deixasse uma janela aberta. E assim, ia caminhando, chegava à janela, fazia uma saudação, aspergia água benta e seguia em frente. Se a dona estivesse em casa, uma breve saudação e o presente de um santinho ou de um terço do rosário. Isso me faz recordar a “técnica” de outro velho vigário, Mons. Agenor Neves Marques, em Urussanga: pedia que esticassem um lençol no telhado e depois, num avião teco-teco, sobrevoava jogando água benta.

Esse trabalho, possibilitou-lhe conhecer todas as famílias da paróquia, o nome de cada fiel, criando vínculos de amizade que atravessaram os anos de sua vida. Transformou seu ministério em grande família.

De 1968 a 1972, por necessidade da arquidiocese, acumulou o trabalho com o de vigário encarregado de Nossa Senhora da Lapa, Ribeirão da Ilha.

Em 1972 foi internado no Beneficência Portuguesa, em São Paulo, para cirurgia de revascularização miocárdica. A cirurgia revascularização do miocárdio, popularmente conhecida como ponte de safena, hoje é uma das cirurgias mais realizadas em todo mundo. Ela é indicada em situações onde existem obstruções (entupimentos) importantes nas artérias do coração, conhecidas como artérias coronárias. Pe. João Cardoso foi operado por Dr. Adib Jatene. Era uma cirurgia de risco e o médico deu-lhe 8 anos de vida, felizmente ultrapassados em muitos anos. Em agosto de 1979, nova internação, pois sofrera infarto por insuficiência coronária aguda. Novo calvário em São Paulo, novas vitórias, num caso de pouca esperança.

Dizem que os que passam por cirurgia do coração se tornam carentes e, no caso de Pe. Cardoso, era verdadeiro pois a cada ano os paroquianos cantavam os parabéns por ocasião do aniversário. Era um evento.

Pe. João era a costumado a viver com simplicidade e a ser obedecido prontamente. As discussões por contrariedade tinham palavras até duras, inclusive com ameaças de vias de fato. Um homem criado na roça e na fábrica até os 22 anos conservava certos costumes de valentia.

Após 21 anos em Saco dos Limões, em 26 de junho de 1987 foi provisionado pároco de Nossa Senhora da Glória, Balneário, Florianópolis, substituindo a Monsenhor Valentim Loch. Uma paróquia de pequeno território, criação recente, povo de classe média que conhecia em boa parte, pois eram fregueses do Estreito, seu primeiro campo de apostolado.

Padre João Cardoso – em 2009, Jubileu Áureo sacerdotal

Pe. João Cardoso, um padre devoto

Organizou e dirigiu 9 peregrinações a Israel, Fátima e Medjugorie, criando seus grupos de devotos e devotas. Especial atenção para os lugares de Milagres Eucarísticos, como Lanciano. Ao retornar, aproveitava as homilias para narrar o que viu, os milagres acontecidos, as palavras de Nossa Senhora. Isso contribuiu para que algumas pessoas, especialmente senhoras, passassem a ter visões durante a Missa e que ele ajudava a confirmar: se a senhora viu, é porque viu.

Pe. João Cardoso era um homem piedoso e devoto, uma grande alma mariana. No seu período, quatro fenômenos encontraram forte difusão: o 3º Milagre de Fátima, as aparições em Medjugorie, as locuções de Vassula Ryden, publicadas sob o título A Verdadeira Vida em Deus, e o Movimento Sacerdotal Mariano do Pe. Stefano Gobbi.

Nesse novo campo sentiu-se livre para cultivar o espírito mariano e suas devoções pessoais, falando intensamente das aparições de Medjugorie e da difusão do 3º segredo de Fátima. Levava a sério toda notícia de manifestações marianas, pois, afirmava, é melhor acreditar, porque pode ser verdade e a gente sai ganhando.

Característica desse fenômenos é a transmissão imediata das revelações, via internet ou livros. Tinha-se o sentimento da comunicação instantânea com o mundo divino.

A igreja matriz de Nossa Senhora da Glória era centro forte dessas devoções que se concretizavam na oração do Terço. Quando Dom Eusébio Oscar Scheid soube que Pe. Cardoso promoveria mais uma conferência de Vassula Ryden, ordenou que a suspendesse. Mas, como fazê-lo, se tudo já estava preparado e bem anunciado? Desobedecer não queria. Encontrou a solução: deixou tudo organizado, saiu de casa naquele dia… e tudo aconteceu sem problema! Com relação ao Pe. Gobbi, ao qual Nossa Senhora falava em locuções interiores, Pe. João teve uma decepção: em duas noites o padre esvaziara sua adega.

Essa tendência ao maravilhoso, ao anúncio do fim dos tempos, do retorno do Senhor contribuiu para isolá-lo do conjunto do clero e a estimular a leitura devocional em detrimento da Sagrada Escritura. Com o tempo acrescentou a devoção ao Padre Pio, o Santo homem do confessionário. É claro que agia por reta intenção: levar as pessoas a evitar o pecado e buscar o confessionário, pois Nossa Senhora o pedia. Sua preocupação fundamental: a salvação das almas, o medo do inferno.

Em Balneário, Pe. João mantinha um programa religioso às 18hs, de segunda a sexta, retransmitido através de cornetas instaladas na torre. Pelo alto volume, começaram as reclamações. Quando lhe pediram que diminuísse o volume, respondeu que então menos gente poderia ouvir. As queixas aumentaram: “na hora que ele começa a falar, ninguém consegue fazer mais nada”, protestou uma moradora. Subindo o tom das reclamações, Pe. João foi claro: “os que não quiserem escutar, podem fechar a casa toda”. Alguns falavam que ele tinha complexo de radialista (cf. DC 20/11/1995).

Pe. João gostava de sair de carro para visitar paroquianos, colegas padres e, principalmente, o cemitério Jardim da Paz, em Azambuja, aonde se dirigia às segundas-feiras, para a celebração da Missa. E manifestava seu desejo de ali ser sepultado, num dia chegando a pedir que o povo reunido jurasse que cumpriria essa promessa. E assim foi.

Não era consumista, mas gostava de dinheiro e de pedi-lo, para as obras de caridade: doar cestas básicas a famílias pobres, levar alimento para o Carmelo e, com muita alegria, para os seminários. E também para imprimir seus cartões e santinhos.

Os últimos dias

E, num dia, sua saúde baqueou: uma infecção urinária e bactéria levou-o a longa internação hospitalar no SOS Cárdio, da qual saiu com dificuldade de fala e de andar, obrigando-o a servir-se de bengala. Recuperou-se bem da fala e suas faculdades mentais nada sofreram. Mas, não seria possível continuar no ofício de pároco. Deste modo, em 11 de fevereiro de 2007, foi nomeado vigário paroquial de Nossa Senhora de Fátima e Santa Teresinha, Estreito, Florianópolis, onde iniciara sua vida de padre.

Sentado vizinho a uma janela, manifestava sua disposição para confissões e para o atendimento a quem o procurasse a partir da 7h. Os mais assíduos eram os moradores de rua em busca de uma esmola e que recebiam sempre um conselho, 2 reais e uma paçoca de amendoim. Com o tempo conhecia-os todos e também conhecia as histórias de que se serviam para pedir um auxílio.

Era característica sua: dar presentes, santinhos, cartões de aniversário, telefonar e reclamar que não lhe tinham telefonado. Gostava de imprimir nas numerosas fotografias que distribuiu: “Se eu não fosse padre, gostaria de ser padre”.

Pe. Cardoso gostava de festejar aniversário, pois sentia-se amado, e comemorou os 25, 50 anos de ministério sacerdotal. O presente desejado era a presença do povo, que o deixava como criança feliz. Neste 16 de maio celebrou o último aniversário, agora os 93 anos. Estava feliz, até suspeitando de ser sua última festa.

Em setembro de 2016 a saúde enfraqueceu e era difícil que morasse na casa paroquial, que não dispunha de equipamentos apropriados. Por esse motivo, em 11 de outubro de 2016, foi residir na Orionópolis Catarinense, São José, acolhido generosa e fraternalmente pelo diretor, o orionita Pe. José Manoel dos Santos, a quem devemos a gratidão pelo gesto fraterno. Ficava muito feliz com visitas e telefonava quando escasseavam.

Pe. João Cardoso vivia preocupado com sua salvação eterna: “tenho preocupação com a morte, com minha apresentação diante de Deus”. Semanalmente recorria ao Tribunal da Misericórdia, à Confissão.

Grande devoto de Nossa Senhora, da Mãe de Deus e dos sacerdotes, após breve internação no Hospital de Caridade, foi chamado por Deus num dia muito mariano: às 11,30h do dia 15 de agosto, dia da Assunção de Maria ao Céu.

Às 16h seu corpo foi introduzido no Santuário de Nossa Senhora de Fátima, no Estreito, para que o povo pudesse velá-lo. Às 19,30, o arcebispo Dom Wilson Tadeu Jönck presidiu a Missa, concelebrada pelos padres que puderam se fazer presentes. E, no dia 16 de agosto de 2018, a viagem até Azambuja onde, no cemitério Jardim da Paz, foram celebradas as Exéquias, seguidas do sepultamento. Há muitos anos manifestara o desejo de ser sepultado em Azambuja, onde iniciara o caminho sacerdotal. Deus, que lhe concedeu longa existência e um longo sacerdócio, certamente o recebeu no Paraíso.

Por Pe. José Artulino Besen

Assista ao vídeo gravado em abril de 2018 com Pe. Cardoso, na Orionópolis Catarinense.

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