Na edição anterior do Jornal introduzimos a “Carta de Tiago”. A imagem de Deus nela contida mostra-o como um Pai (3x), e também Legislador (1x) e Juiz (1x), criador do universo (1,17). O seu Espírito habita no homem (3,9; 4,6). Dá simplesmente, sem medida (1,5), e não tenta ninguém, pois o mal não o alcança (1,13). Dele somente vem o bem (1,17). É um Deus próximo (4,7) que ouve a oração dirigida a ele (1,5; 5,15-17); bondoso e misericordioso (5,11), que perdoa os pecados (5,15). Ama a justiça social (1,27) e vinga a injustiça (5,4-6). Escolhe os pobres (2,5) e exige que os honrem (2,3-5.15-16). Seu julgamento é duro com os ricos que exploram os pobres (5,1-6) e contra aqueles que acreditam poder renunciar às obras do amor (2,14).
Sobre Jesus Cristo, citado diretamente apenas duas vezes (1,1; 2,1), Ele é o “Senhor” (kyrios) (1,1; 2,1; 5,7.8.14.15, talvez 4,15), título que Tiago também aplica a Deus. Em 2,1, Jesus é o “Senhor da Glória”, expressão que denota a situação de Cristo como exaltado à direita de Deus, ressuscitado (cf. Lc 24,26), que voltará no fim dos tempos (Mt 16,27; 19,28; Mc 8,38). Tiago, assim, coloca sua comunidade em face do Juiz do universo (cf. 5,7-8). E se traduzirmos o primeiro versículo como “Tiago, servo de Deus e Senhor, Jesus Cristo”, como sustentam alguns estudiosos (Vouga), teríamos uma das
mais profundas confissões cristológicas do Novo Testamento.
A carta é famosa por sua ética, e reitera a tão importante relação entre fé e obras, que muitos enxergaram um conflito com o pensamento paulino da justificação pela fé (cf. Rm 3,28). Para Tiago, é claro: quem salva é Deus (1,17), que é a causa da nova criação do ser humano (1,18), pois o homem não pode salvar-se a si mesmo. É a Palavra plantada em nosso coração que nos salva (1,21), mas ela precisa ser praticada e não só ouvida (1,22). Ao falar da necessidade de agir, critica àqueles que possuem uma fé intimista, descomprometida, desencarnada, longe de ser a fé praticada, transformante, existencial para a qual fomos chamados. Não somos salvos “pelas” boas obras, mas “para” as boas obras. E deturpa S. Paulo quem conclui uma dicotomia entre a fé e a vida, pois “a fé opera pela caridade” (Gl 5,6), e todo ser humano será julgado conforme suas obras (Rm 2,6ss). A fé concorre para as obras, as obras realizam a fé (2,22).
Essa epístola deixa-nos importantes legados de justiça social no esteio de tantos profetas e do próprio Senhor Jesus, e convida-nos a transformar nossas relações com Deus e as pessoas no mandamento régio do amor.
Artigo publicado na edição de abril de 2021 do Jornal da Arquidiocese, página 8.