É motivo de alegria para a Igreja a proclamação de santos e bem-aventurados. Eles são a elite da comunidade cristã, tendo sido sua vida fiel e radical seguimento de Jesus proposta a todos os cristãos.
No próximo dia 28 de outubro, em Caxias do Sul o Cardeal Angelo Amato representará o papa Francisco na proclamação do Padre João Schiavo como bem-aventurado.
João Schiavo nasceu na Itália, em Sant’Urbano de Montecchio Maggiore, em 8 de julho de 1903. Desde criança desejava ser padre. Quando lhe foi oferecida colocação no serviço público rejeitou-a com firmeza, pois seu caminho era ser padre e ser missionário. Entrou na Congregação dos Josefinos de Murialdo e, em 10 de julho de l927, apenas completados 24 anos, foi ordenado sacerdote.
São Leonardo Murialdo, santo fundador da Congregação dos Josefinos de Murialdo em 1873, desde seus tempos de estudante em Savona, era adepto das práticas desportivas, e entre elas estava o alpinismo, esporte que lhe garantia condições físicas invejáveis. O entusiasmo de São Leonardo Murialdo pelo esporte e o cultivo de um corpo saudável contagiavam os jovens. Por toda a vida dedicou-se aos adolescentes e crianças pobres e abandonadas.
Padre João era muito fervoroso e sempre levou a sério a missão de pregar a Palavra de Deus. Nos primeiros anos de sacerdócio escrevia os sermões e os meditava diante do Santíssimo Sacramento. O maior e melhor sermão dele, porém, era sua vida. Alimentava o grande desejo de ser missionário e mártir. Tendo recebido a comunicação da decisão dos Superiores de partir como missionário para o Brasil, aos 26 de julho de 1930 escrevia no seu diário: “Para seguir Jesus, eu necessito de docilidade. Meu Senhor, dá-me esta”. “Ordenas-me a renúncia dos pais, parentes, pátria, tudo. Eis-me, Jesus. Impõe-me a renúncia de mim mesmo. ‘Quem quer vir após mim… renuncie a si mesmo, tome sua cruz e me siga’. Jesus, eu renuncio a tudo. Estou disposto a fazer o sacrifício completo. Ensina-me, de modo especial, a renúncia de mim mesmo. Destrói em mim o que herdei de Eva! Dá-me tua ajuda!”.
Iniciou seus trabalhos como professor, o que fez até 1934, em Ana Rech no município de Caxias do Sul. Logo conheceu as obras dos Padres Josefinos, obras missionárias, e fundou em 1941, o Seminário Josefino de Fazenda Souza, Caxias do Sul, RS, sendo o primeiro Diretor dessa obra que marcaria sucessivas gerações de jovens.
Foi o primeiro mestre de Noviços da Missão Josefina e a seguir fundou a Casa de Noviciado, em Conceição, em 1946. Depois desta, outras obras foram lançadas, como o Abrigo de Menores São José, em Caxias do Sul, internato com escola e diversas habilitações profissionais, que dirigiu de 1947 a 1953.
A partir da consolidação dos seminários da missão Josefina no país, em 1946, o governo central da congregação decidiu a criação da Província do Brasil, desmembrada da Argentina, e Pe. João foi eleito primeiro provincial, com a satisfação de todos, permanecendo no ministério de 1937 a 1956.
Após um período de discernimento, em consonância com o Fundador Padre Luigi Casaril, no dia 09 de maio de 1954 iniciou o grupo brasileiro das Irmãs Murialdinas de S.José. Com muitas dificuldades surgiu o núcleo brasileiro desta família religiosa. As primeiras irmãs fizeram profissão religiosa no dia 25 de março de 1956 na capela do Seminário, em cerimônia presidida pelo Pe. João.
Fundou diversas obras em favor das crianças e jovens pobres: Abrigo de Menores S.José, Caxias do Sul, hoje Centro Técnico Social, a Obra Social Educacional, em Porto Alegre, Partenon e no Morro da Cruz. Abrigo de Menores em Pelotas e Rio Grande, RS, Colégio Nossa Senhora Mãe dos Homens, em Araranguá, SC.
A vontade de Deus, caminho de santificação
Pe. João tinha bem claro que deveria ser santo, que a santidade é o caminho de todo cristão. Sua espiritualidade girava em torno da Eucaristia e da caridade e o objetivo de sua vida era fazer a vontade de Deus. Alguns pontos:
“Fazer a vontade de Deus é o melhor, o mais seguro caminho para chegar ao que Deus quer realizar na pessoa humana”. No túmulo do Pe. João lemos uma de suas frases mais preciosas: “Pai, eu sempre quis fazer a tua Vontade”.
“Deverei dar contas a Deus de todas as almas que me são confiadas. Nenhuma pode se perder por meu desleixo”.
Padre João e a oração: “Oração contínua, em público e em particular: ‘Senhor a Vós entrego a minha vontade. Quero sacrificar tudo por amor… A Jesus Eucarístico todo meu amor’.”
“O amor a Deus me pressiona para amá-lo sem medida; para excluir tudo o que não é Ele; para amá-lo com amor efetivo, ligado às obras”. “Meu Jesus, amo-vos sobre todas as coisas. Ofereço-vos a minha vida para que seja consumida no vosso serviço. Aceito de vossas mãos o tipo de morte que desejais me enviar”. “Confiança fortíssima. Se Deus está conosco, quem estará contra nós”? “Confiança para vencer as tentações… confiança no apostolado, confiança na salvação eterna”.
Duas jaculatórias que rezava e ensinava a rezar: “Ó Mãe dulcíssima, fazei-nos santos como Jesus o quer”. “Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, fazei-nos santos.”
Em Santa Catarina – Araranguá
A comunidade católica e política de Araranguá sentia a necessidade de dispor de um colégio de nível adequado, para evitar a fuga dos jovens para outras cidades. A câmara municipal conseguiu aprovação para a doação de bom terreno e uma delegação procurou os padres josefinos.
Na 2ª feira de carnaval de 1954 a delegação dirigiu-se a Ana Rech, para encontro com o Provincial, Pe. João Schiavo. Expuseram a razão de sua presença em Ana Rech. Narraram-lhe toda a situação, a construção, a necessidade para o futuro de Araranguá. Pe. João respondeu que não daria resposta naquele momento: hoje vou rezar e vocês rezem também. Rezaram, participaram do terço e foram dormir.
Na 3ª feira de carnaval, após a missa da manhã, Pe. João dizia: “O Espírito Santo há de assumir esta causa junto com a nossa Congregação”. E eles, felizes, voltaram para Araranguá, e transmitiram a boa notícia a toda a paróquia. Por que chamar os Josefinos? Por que havia sabido que esses padres se dedicavam à educação da juventude, com os menores.
Após ter concretizado sua missão de conseguir que os padres viessem para Araranguá, era chegada a hora de a cidade preparar-se para recebê-los e dar início a uma nova etapa. O Sul catarinense já não seria mais o mesmo, e certamente se poderia dividir a história da região em duas etapas: o antes e o depois dos Josefinos, o antes e o depois de 1955. Foi o grande divisor de águas na formação acadêmica dos jovens.
A preparação para ingressar em Araranguá foi realizada com fé e confiança na divina Providência. Pe. João Schiavo, homem a quem denominavam de santo devido a sua vida de oração e confiança em Deus, tomava as devidas providências preparando a viagem e o início das atividades educativas. Preocupou-se também com o lado social e jurídico; apresentou ao prefeito e vereadores de Araranguá uma declaração registrada em cartório de Caxias do Sul, de que o Instituto Leonardo Murialdo, tem idoneidade moral e civil para dirigir um Ginásio. A data da declaração é de 28 de janeiro de 1955.
A autorização para o início do Ginásio era concedida pelo Ministério da Educação e Cultura e para isso Pe. João Schiavo encaminhou pedido para “conceder verificação prévia e […] ao mesmo tempo seja concedida ao novo Ginásio autorização para funcionamento”.
Padre João Schiavo nomeou também o primeiro Diretor do Ginásio de Araranguá o Pe. Félix Bridi. Em 04 de abril de 1955, dois sacerdotes josefinos, Padre Félix Bridi como Diretor, e Padre Cesare Toppino na função de secretário, iniciaram as atividades escolares com os 36 alunos da primeira série ginasial.
De 1955 a 1968 o Colégio Nossa Senhora Mãe dos Homens oferecia o curso ginasial aos jovens araranguaenses e das demais localidades vizinhas. Em 1967 o Colégio começou a oferecer o Curso Comercial aos concluintes do ginásio e do curso normal regional de outras escolas. A partir de 1969 inicia-se o curso Científico.
Desde 1956 as crianças pobres e abandonadas de diversos bairros marginais de Araranguá, tinham acesso à Escola de Recuperação Murialdo, com professores municipais e funcionava em outro prédio. Em 1970 ela ganhou prédio próprio e em 11 de agosto de 1971 a direção anexou as quatro séries do ginásio às quatro séries da Escola de Recuperação Murialdo, formando uma unidade escolar única, sob a denominação de Escola Muria.
O caminho final de um santo
Pe. João foi Superior Provincial de 1937 a 1955. Ao encerrar seu longo serviço como Superior e animador dos confrades e obras josefinas do Brasil escrevia ao Superior Geral: “Só Deus sabe os erros, as misérias, os excessos cometidos durante tantos anos. O frear do desenvolvimento da Congregação por causa da minha incapacidade e minha falta de virtude! Deus me perdoe! Os Superiores e especialmente o Superior Geral, Pe. Luigi Casaril, do qual sempre me senti filho e mais ainda me sinto agora, perdoem o mal que cometi e o bem que não fiz na vinha do Senhor”… Tenha a bondade, Reverendíssimo padre Geral, de dispensar qualquer palavra de estima em relação a mim; não mereço e pode ter a impressão que eu tenha feito algo, quando nada fiz que seja digno de ser recordado” (Carta ao Superior Geral de 27/12/1955).
Os últimos anos de vida de Pe. João foram minados por uma enfermidade que só mais tarde foi detectada. Em 15 de dezembro de 1966, após biópsia, foi diagnosticado câncer do fígado. A cirurgia não pode ser realizada, pois como cardíaco, a anestesia poderia lhe apressar a morte. Após uma breve melhora, ainda pode retornar à Fazenda Souza e despedir-se da Casa das Murialdinas, detendo-se diante do pomar e do jardim, sabendo que não mais voltaria vivo para lá, somente no cortejo fúnebre.
Apesar de todas as tentativas da equipe médica e de tanta oração pedindo a Deus sua cura, a doença prosseguiu de modo fulminante e, em dois meses, terminou com sua caminhada terrena.
Quando não mais conseguiu celebrar a missa, entregou-se plenamente nas mãos de Deus, repetindo sempre a frase que lhe era característica: “Senhor, sou seu filho, sempre quis fazer sua Vontade”.
No último dia de sua vida, repetia: “Meu Jesus, Misericórdia”!
Certo dia, perto da meia noite, após repetir com força muitas vezes “Meu Jesus, misericórdia!”, elevou o olhar, fixou-o no além e, com um belo sorriso, que a todos impressionou, disse: “Obrigado, minha Mãe”.
Padre João Schiavo faleceu no dia 27 de janeiro de 1967. Seu túmulo está na Fazenda Souza, no interior de Caxias do Sul.
Por Pe. José Artulino Besen