Vivemos tempos perigosos. A junção de religião com política, ambas sendo manipuladas pelo mercado, pela idolatria do dinheiro, acarreta sérios riscos para a nossa sociedade, com tristes rastros de violência contra expressões religiosas minoritárias.
Aproximações e diferenças
Com suas doutrinas e éticas, símbolos e rituais, a religião é responsável pela abertura ao transcendente, oferece sentido para a vida, aponta para o divino, mesmo sem conseguir açambarcá-lo. A política, por sua vez, trabalha com a organização da sociedade. Também tem uma dimensão de transcendência, mas seu exercício se dá por meio de partidos, cada qual com suas ideologias e particularidades. Colocar a grandeza universal da religião nas fronteiras particulares da política é pôr Deus nos limites de nossas categorias, é manipular o nome de Deus. Usa-se o absoluto para justificar o relativo.
A política de Jesus
Jesus foi político. Aliás, tanto mais político quanto mais religioso! Por sua adesão à vontade do Pai, por deixar-se ungir pelo Espírito, ele entregou-se à causa do Reino de Deus. Não um reino qualquer, como o do Império Romano; não de um deus qualquer, como o deus legalista e sacrificialista dos fariseus e sacerdotes judaicos. Mas o Reino de Deus-Pai, um projeto de vida digna pra todos, com todas as condições físicas, morais, espirituais, para que todos, a começar dos últimos e marginalizados, possam ter vida plena e feliz. A causa do Reino de Deus é uma opção política. Não a política partidária, mas a grande política, o serviço em favor da vida. Por isso ele foi morto. A junção da religião judaica e da política romana não suportou o novo Reino (para todos) do Deus-Amor (de todos).
A política da Igreja
Após séculos de engajamento político direto na condução da sociedade, por meio da instauração da cristandade, com as consequências obscuras de mundanização de sua ação evangelizadora, a Igreja católica entende que a melhor maneira de exercer a política é voltar a Jesus de Nazaré. Para anunciar com ele e como ele o Reino de Deus. Por isso, pede a seus ministros ordenados (bispos, padres e diáconos) que não façam opção partidária, para não serem sinais de divisão no meio do povo. E pede aos cristãos leigos que se engajem na política partidária, a fim de atuar na proposição e na prática de políticas públicas em favor de melhores condições de vida para o povo. Políticas públicas que sejam sinais do Reino de Deus.
Artigo publicado na edição 294 do Jornal da Arquidiocese, em outubro de 2022, na página 5.