A tristeza pode ser boa ou má: São Francisco de Sales explica a diferença

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A tristeza pode ser boa ou má: São Francisco de Sales explica a diferença

A tristeza tem dois efeitos bons e seis ruins

A tristeza pode ser boa ou má. A tristeza que vem de Deus, diz São Paulo, opera a penitência para a salvação; e a tristeza que vem do mundo opera a morte.

Foto: Shutterstock

A tristeza pode, pois, ser boa ou má, segundo os efeitos que em nós produz. É verdade que há mais efeitos maus do que bons; porque só há dois bons: misericórdia e penitência; e seis maus: angústia, preguiça, indignação, inveja, impaciência e ciúme. É por isso que diz o sábio: “A tristeza mata muita gente e nada com ela ganhamos”; porque há dois bons regalos que dela provém, mas seis maus efeitos.

O inimigo serve-se da tristeza para exercitar a perseverança dos bons; porque, assim como procura alegrar os maus no pecado, procura entristecer os bons nas boas obras; e assim como não pode atrair para o mal senão tornando-o agradável, também não pode afastar do bem senão tornando-o odioso.

O demônio só pede tristeza e melancolia; porque, assim como ele está para toda a eternidade triste e melancólico, assim desejaria que todos também estivessem.

A tristeza má perturba a alma e a inquieta, lhe incute temores desregrados e a afasta da oração; atormenta o cérebro e priva a alma de conselho, resolução, juízo e coragem, absorvendo-lhe completamente as forças. Em breve tempo ela estará como um rigoroso inverno, que apaga toda a beleza da terra e atormenta os animais; porque priva a alma de toda consolação e torna impotentes as suas faculdades.

Já a tristeza boa deixa grande paz e tranquilidade no espírito. É por isso que Nosso Senhor, dizendo aos seus apóstolos: “Vós estareis tristes“, acrescenta: “Não se perturbe o vosso coração; nada temais“.

A tristeza má vem como saraiva, com uma mudança inopinada e grandes terrores e impetuosidade, e de repente, sem que se possa dizer de onde vem, porque não se deixa adivinhar. Entretanto, a tristeza boa chega docemente à alma, como uma chuva fina, que tempera os ardores das consolações, e com algumas razões precedentes.

A tristeza má perde o coração e o atormenta, tornando-o inútil, fazendo-lhe perder o cuidado das boas obras, como diz o salmista, e como Agar, que deixou o filho debaixo da árvore para chorar. A tristeza boa dá força e coragem, e não deixa nem abandona um bom desígnio; esta foi a tristeza de Nosso Senhor, que, embora fosse a maior que existiu, não lhe impediu a oração nem o cuidado dos seus apóstolos. E Nossa Senhora, tendo perdido seu Filho, ficou muito triste, mas nem por isso deixou de procurá-Lo com diligência, como também o fez Madalena, sem se demorar a lamentar-se e chorar inutilmente.

A tristeza pecaminosa obscurece o entendimento, priva as almas de conselho, de resolução e discernimento, como sucede àqueles de quem diz o salmista que “os perturbaram e abalaram como um ébrio, e ficaram privados de sabedoria” (Salmo CVI, 27). Procuram-se remédios aqui e além, confusamente, sem tino e às apalpadelas. A tristeza santa abre o espírito, torna-o claro e luminoso, e, como diz o salmista, dá inteligência.

A pecaminosa impede a oração e a contemplação e faz desconfiar da benignidade divina; pelo contrário, a santa tristeza nos fortalece na bondade de Deus e nos impele a invocar a Sua misericórdia. “As tribulações e angústias me perturbaram, mas os vossos mandamentos foram a minha meditação”.

Em suma, os que estão possuídos da tristeza pecaminosa mergulham numa infinidade de horrores, erros e temores inúteis, receando ser abandonados por Deus. Tudo lhe parece contrário à sua salvação; são como Caim, que pensava que todos os que encontrava o queriam matar. Julgam que Deus será injusto e severo só com eles por toda a eternidade; pensam que os outros são muito mais felizes do que eles. É da soberba que provém tal crença, que lhes persuade que deveriam ser muito melhores do que os outros e mais perfeitos que ninguém.

A tristeza santa, porém, discorre assim: “Sou uma criatura miserável, vil e abjeta: mas Deus usará de misericórdia para comigo; porque a virtude se acrisola na doença e não se aflige por ser pobre, miserável”.

Ora, o fundamento da oposição que se oferece entre a boa e a má tristeza é que o Espírito Santo é o autor da tristeza santa e, por ser o único Consolador, as suas operações trazem consigo luz e claridade. Por consequência, essas operações são inseparáveis do verdadeiro bem; porque os frutos do Espírito Santo, diz São Paulo, são caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, longanimidade.
Pelo contrário, o espírito maligno, autor da má tristeza (porque não aludo à tristeza natural que tem mais necessidade de medicina do que de teologia), é um verdadeiro estrago, tenebroso e aniquilador, e os seus frutos só podem ser ódio, tristeza, inquietação, pesar, malignidade e desalento. Ora, todos os sinais da má tristeza são os mesmos que os do mau temor.

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São Francisco de Sales, em Filoteia

Por Aleteia

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