Palavra do Arcebispo: Cansaço do Tempo

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Palavra do Arcebispo: Cansaço do Tempo

Todos os tempos têm suas patologias e estas possibilitam, muitas vezes, fazer um diagnóstico de determinada época. Assim, as enfermidades dominantes mostram a dor escondida, revelam comportamentos desequilibrados, escancaram a vulnerabilidade que é marca registrada de uma sociedade, mas ninguém quer ver.

O grande combate dos séculos que nos precederam foi contra os vírus e as bactérias. A invenção dos antibióticos e vacinas, mesmo sem resolver integralmente, conseguiu controlar estes problemas sanitários. Ainda surgem pandemias virais, mas não são estas que condicionam mais profundamente nosso cotidiano.

Vivemos em nosso século uma patologia neuronal. A depressão, os transtornos de personalidade, as anomalias de atenção e a hiperatividade são sintomas que vêm marcando um grande número de pessoas de nossa sociedade. Há um desgaste ocupacional que faz as pessoas se sentirem devoradas e exauridas por dentro. Estas enfermidades não são infecções, mas modalidades vulneráveis de existência. São fragmentações da identidade.

Existe nas sociedades, sobretudo as ocidentais, um excesso de emoções, de informações, de expectativas, de solicitações que atropelam as pessoas e as empurram para uma espécie de fadiga. O risco é permanecer neste estado de cansaço. Revelam sempre mais uma incapacidade de integrar e refazer a experiência do vivido. O excesso de estimulação sensorial não amplia a capacidade de sentir, ao contrário, a contamina.

Simone Weil (1909-1943), grande pensadora francesa, percebia que, muitas vezes, estamos separados da vida por uma muralha de discursos, de angústias, de confusas esperanças. Afirmava que é preciso perfurar este muro até o fim. Para ela, o pensar e o agir devem estar interligados. O discurso reflete sobre a vida e a vida se deixa modelar pelo pensamento. Foi assim que decidiu assumir pessoalmente a rotina dos operários da fábrica. Passou a integrar a equipe que compunha a linha de montagem em uma fábrica de automóveis. Foi uma experiência sofrida. Deixou por escrito suas impressões.

Não estava habituada ao trabalho físico. Mas o sofrimento maior foi o espiritual. O mandamento máximo era produzir rápido, atingir a meta. Era invocado para recompensar ou para castigar. Este sistema não permitia que se fizesse do próprio trabalho um tema de contemplação. Os ritmos da atividade se tornavam antinaturais. O abatimento e o cansaço não permitiam lembrar das razões por que estava na fábrica. Expressou isto em uma figura de linguagem: só contemplamos uma maçã quando não tivermos intenção de comê-la.

Simone então invocava o texto bíblico da criação. Deus criou o mundo em sete dias. No sétimo dia a sua obra estava completa. E Deus contemplou a sua obra e viu que tudo era muito bom, muito belo. Não só com o fazer, mas também com o olhar, Deus confirma e revela a bondade da criação.

 

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