Conhecendo o livro dos Salmos – 119 (118) I – Por Pe. Ney Brasil

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Conhecendo o livro dos Salmos – 119 (118) I – Por Pe. Ney Brasil

SALMO 119(118) – O SALMO DA LEI (IV)

 

           

Todo mês, no Jornal da Arquidiocese, você confere a reflexão do Salmo pelo Pe. Ney Brasil Pereira.
Todo mês, no Jornal da Arquidiocese, você confere a reflexão do Salmo pelo Pe. Ney Brasil Pereira.

Continuando a refletir sobre este grande “Salmo da Lei”, perguntemo-nos como   Jesus o rezava? E de que modo continua a rezar este salmo, Ele, que, segundo a carta aos hebreus, vive sempre para interceder por nós (Hb 7,25)? Responda-nos Santo Agostinho, apoiando-se no fato de que Ele é a nossa Cabeça, como nós somos o seu Corpo: “Deus não nos poderia conceder dom maior do que dar-nos como Cabeça a sua Palavra, pela qual criou todas as coisas, e a ela unir-nos como membros, para que o Filho de Deus fosse também filho do homem, um só Deus com o Pai, um só homem com os homens e as mulheres da humanidade. Por conseguinte, quando dirigimos a Deus nossas súplicas, não separemos dele o Filho; e, quando o Corpo do Filho, a Igreja, orar, não separe de si a sua Cabeça. Deste modo, o único salvador do seu Corpo, nosso Senhor Jesus Cristo, é o mesmo que ora por nós, ora em nós, e recebe a nossa oração”.

Portanto, também neste “Salmo da Lei”, também nas estrofes que vamos meditar, Jesus é o mesmo que “ora por nós, ora em nós, e recebe a nossa oração”. Vejamos, a seguir, em mais quatro estrofes, de que maneira.

 

 

13ª estrofe (119,97-104): Letra MEM – MAIS SÁBIO

 

Lei e Sabedoria

  1. Quanto amo a tua lei! / Passo o dia todo a meditá-la.
  2. Teu preceito me faz mais hábil que meus inimigos, / porque sempre me acompanha.
  3. Sou mais sábio que todos os meus mestres, / porque medito em teus testemunhos.
  4. Sou mais entendido que os anciãos, / porque observo teus preceitos.

            O salmista parece polemizar com os anciãos, que pretendiam ser “sábios”,  e por isso rebaixa a sabedoria tradicional, humana, em favor da Lei, expressão da vontade divina. É também o que proclama o sábio Sirácida, no ponto talvez mais alto do seu grande livro, depois do longo elogio da Sabedoria divina (Eclo 24,1-31): todos os  atributos da Sabedoria  encontram-se no “livro da Aliança do Altíssimo, a Lei, que Moisés promulgou para nós, como herança para a casa de Jacó” (Eclo 24,32-33). É por isso que o salmista, convicto de encontrar a Sabedoria na Lei, ama a Lei, e passa o dia todo a meditá-la.

Tu me instruis

  1. Desviei meus pés de todo mau caminho, / para guardar a tua palavra.
  2. Não me afasto de tuas normas, / porque és tu quem me instrui.

            O “mau caminho” é o caminho dos ímpios, que desprezam a Lei, e por isso o seu fim é a morte, como o lembra o Sl 1,6. Consciente disso, o salmista desvia-se desse “mau caminho”, tomando outra direção: “não se afastando das normas” do Senhor.

Mais do que o mel

  1. Como são doces ao meu paladar tuas promessas: / mais que o mel à boca.
  2. Dos teus preceitos recebo inteligência: / por isso odeio todo caminho falso.

            A estrofe conclui com bela comparação: as “promessas “ de Deus, expressas na sua Lei, são “mais doces que o mel”, trazendo somente doçura.

 

14ª estrofe (119,105-112): Letra NUN – LÂMPADA

 

Lâmpada e luz

  1. Lâmpada para meus pés é tua palavra / e luz para meu caminho.
  2. Jurei, e o confirmo, / guardar tuas justas normas.

A experiência da luz é uma das mais fundamentais da nossa vida. Talvez não o percebamos em nossa cultura tecnológica, na qual o simples toque de um botão elimina a diferença entre dia e noite, entre luz e trevas. Como quer que seja, artificial ou natural, precisamos da luz. E mais ainda, para orientar nossos passos, precisamos da luz da Palavra, da lâmpada das “normas” da Lei.

Fui humilhado

  1. Fui gravemente humilhado, Senhor! / Dá-me vida, segundo tua palavra.
  2. Senhor, aceita as ofertas de meus lábios, / ensina-me teus justos julgamentos.

109.Minha vida está sempre em perigo,/  mas não me esqueço da tua lei.

  1. Os ímpios me armaram emboscadas, / mas não me desviei dos teus preceitos.

A “humilhação” do salmista parecem ser as “emboscadas” dos ímpios, que “põem em perigo” a sua vida. Nada, porém, há de desviá-lo dos “preceitos” nem de fazê-lo esquecer-se da Lei do Senhor.  É essa fidelidade que lhe dá segurança.

Minha herança

  1. Minha herança para sempre são teus testemunhos, / são eles a alegria

 do meu coração.

  1. Inclinei meu coração a cumprir teus estatutos, / desde agora e para sempre.

            “Herança” é um bem precioso que se recebe, se possui, se lega. Assim, Israel é a “herança  do Senhor”, como o próprio Senhor é a “herança do seu povo”. Aqui, o salmista afirma que sua “herança” para sempre  são os “testemunhos” da Lei, os quais constituem a “alegria” do seu coração, como para Jeremias constituíam alegria as “palavras do Senhor” (cf Jr 15,16).

           

 

15ª estrofe (119,113-120): Letra SAMEK – ESCÓRIA

 

Desgarrados

  1. Detesto os desgarrados, / eu amo a tua lei.
  2. Tu és meu refúgio e meu escudo, / espero na tua palavra.
  3. Afastai-vos de mim, malvados, / quero guardar os preceitos do meu Deus.

“Desgarrados” são os infiéis, apóstatas, “malvados”, refratários à Lei, dos quais o salmista quer distância, para não se deixar “contaminar” por eles. Entende-se essa atitude  “profilática”, a qual não foi, porém, a do Senhor Jesus, que veio chamar “não os justos, mas os pecadores” (cf Mt 9,13).

Tua promessa

  1. Sustenta-me segundo a tua promessa e terei a vida, / não deixes que se frustre

 a minha esperança.

  1. Sê tu meu auxílio e serei salvo, / terei sempre antes meus olhos teus estatutos.

      A “promessa” de Deus garante a recompensa a quem for fiel, como o lembra o autor da carta aos efésios em relação ao quarto mandamento, “o primeiro ao qual está ligada uma promessa”:  Honra teu pai e tua mãe, para que sejas feliz sobre a terra (Ex 20,12). Isto é, a felicidade, na Terra prometida, está condicionada à observância do mandamento.

Os ímpios

  1. Desprezas todos os que abandonam teus preceitos, / porque seus

 pensamentos são vãos.

  1. Consideras escória todos os ímpios da terra, / por isso amo teus testemunhos.

      Defendendo a fidelidade à Lei, o salmista lembra que os “ímpios”, isto é, “os que abandonam os preceitos divinos”, são alvo do “desprezo” de Deus, que os rejeita como “escória”. Isto, porém, enquanto não se convertem e se obstinam na sua apostasia. Convertendo-se, acolhe-os a misericórdia daquele que “não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva” (cf Ez 18,23)

O temor de Deus

  1. Minha carne treme por medo de ti, / por teus julgamentos sinto temor.

      Contrastando com a “alegria” que lhe trazem os mandamentos (cf v. 111), aqui o salmista fala do “medo” que eles incutem, pelo temor de ser-lhes infiel.

 

16ª estrofe (119,121-128): Letra ‘AYN – JUSTIÇA

 

Direito e Justiça

  1. Pratico o direito e a justiça; / não me abandones aos meus opressores.
  2. Assegura o bem a teu servo; / não me oprimam os soberbos.
  3. Meus olhos anseiam por tua salvação / e pela tua promessa de justiça.

            Os profetas incansavelmente reclamam do seu povo a prática do direito e da justiça (cf Am 5,24!), sem os quais não há fraternidade e com os quais resume-se a Lei. Não é pouco, portanto, o que o salmista afirma de si mesmo, apresentando-se como “servo do Senhor”, como alguém que pode contar com a proteção do alto. É por isso também que ele, que pratica a justiça inter-humana, anseia pelo cumprimento, em sua vida, da justiça divina.

Teu servo

  1. Trata teu servo com misericórdia, / e ensina-me teus estatutos.
  2. Sou teu servo, faze-me compreender / e conhecerei teus testemunhos.

            Nestes dois versículos, novamente, e por duas vezes, o salmista apresenta-se como “servo do Senhor”, que humildemente pede para ser tratado “com misericórdia” e para ser instruído, pelo próprio Deus, no conhecimento e na prática da sua Lei.

Tempo de agir

  1. É tempo de agires, Senhor, / pois violaram tua lei.
  2. Por isso amo teus mandamentos, / mais que o ouro, mais que o ouro fino.
  3. Considero retos todos os teus preceitos, / odeio todo caminho falso.

            Diante da afronta dos que “violam” a Lei, o salmista ousa pedir, de certo modo exigir, urgindo, que Deus se ponha em ação e intervenha! Ao mesmo tempo confirma, de sua parte, o “amor aos mandamentos”, mais do que ao ouro, e a rejeição, mesmo o “ódio”, a toda falsidade. Quanto a esse “ódio” à falsidade, nunca é demais recordar a máxima da Santo Agostinho: “odiar” o erro, mas amar a pessoa que erra…

 

Pe. Ney Brasil Pereira

Professor emérito de Exegese Bíblica na FACASC/ITESC

Para refletir: 1) Qual a relação entre a Sabedoria de Deus e a sua Lei?

2) Em que sentido a Lei é comparável à luz?

3) Em que sentido o salmista “detesta” os desgarrados, e também Deus os “despreza”?

4) Com que disposições o salmista se apresenta como “servo” do Senhor?

5) Não é ousadia urgir para que Deus intervenha, dizendo-lhe que “é tempo de agir”?

Por: Pe. Ney Brasil Pereira – Professor Emérito de Exegese Bíblica na FACASC/ITESC

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