Conhecendo o livro dos Salmos – 105 (104) – Por Pe. Ney Brasil

>
>
Conhecendo o livro dos Salmos – 105 (104) – Por Pe. Ney Brasil

Salmo 105(104): O Salmo do puro louvor

 

Todo mês, no Jornal da Arquidiocese, você confere a reflexão do Salmo pelo Pe. Ney Brasil Pereira.
Todo mês, no Jornal da Arquidiocese, você confere a reflexão do Salmo pelo Pe. Ney Brasil Pereira.

Este salmo é um dos salmos “históricos” do saltério, como o são o Sl 78 e o Sl 106. Diferentemente destes, porém, não faz nenhum aceno aos pecados e à infidelidade do povo. Seus primeiros 15 versículos, de um total de 45, são integralmente citados pelo Cronista (1Cr 16,8-22) como sendo o cântico com o qual Asaf e seus irmãos , por ordem de Davi e a seu exemplo, “deram graças” ao Senhor no dia da entronização da Arca em Sião. Notar igualmente que seu primeiro versículo é citado literalmente no meio do “cântico de libertação” que conclui a primeira parte do livro de Isaías (Is 12,1-6: cf v. 4).

Quanto ao conteúdo, é interessante compará-lo com o salmo que precede, o Sl 104, que celebra a ação de Deus na criação, enquanto este Sl 105 o celebra na história. É, aliás, o que faz Ben Sirá, o Sirácida, na última parte do seu livro, constituída de um longo hino a Deus: primeiro, exaltando-o pela obra criadora (Eclo 42,15—43,33) e, a seguir, pela história do seu povo (Eclo 44,1—49,16). Já o Sl 136 celebra o Senhor “porque Ele é bom, porque seu amor é para sempre”: e isso na criação, na história, e no momento presente.

Chama a atenção o longo invitatório (vv.1-7), convidando e incentivando a “descendência de Abraão” a louvar, celebrar, cantar. Os vv. 8-11 propõem o tema da Aliança  e a Promessa da Terra. Seguem as andanças dos Patriarcas (vv. 12-15), a história de José (vv. 16-22), a entrada no Egito, a opressão, Moisés, as pragas (vv. 23-36), e então o Êxodo e o deserto (vv.37-41). Enfim, com a entrada na Terra prometida, o cumprimento da Promessa (vv. 42-45).

Celebrai o Senhor!

  1. Aleluia! Celebrai o Senhor, invocai seu Nome, / manifestai entre as nações suas grandes obras.
  1. Cantai em sua honra, tocai para Ele / recordai todas as suas maravilhas.
  2. Gloriai-vos do seu santo Nome, / alegre-se o coração dos que buscam o Senhor.
  3. Considerai o Senhor e sua força, / não cesseis de buscar a sua face.
  4. Lembrai-vos dos milagres que Ele fez, / dos seus prodígios e dos julgamentos de sua boca.
  1. Ó descendência de Abraão, seu servo, / filhos de Jacó, seu escolhido.
  2. Ele, o Senhor, é nosso Deus; / suas leis vigoram por toda a terra.

Este longo e solene invitatório é marcado por dez imperativos, que  incentivam e motivam o louvor do povo escolhido, também “entre as nações” (v.1). Isto, porque  “as leis do Senhor vigoram por toda a terra” (v.7).

 Aliança e Promessa

  1. Ele se lembra para sempre da sua Aliança, / da Palavra empenhada por mil gerações;
  1. da Aliança que celebrou com Abraão, / do juramento que fez a Isaac.
  2. Ele o confirmou como Lei para Jacó, / para Israel, como aliança eterna,
  3. dizendo: “Eu vos darei a terra de Canaã / como vossa parte de herança”.

A Aliança é gratuita, por iniciativa divina,  expressa num juramento “empenhado por mil gerações” a partir dos três patriarcas. O juramento se concretiza na promessa da terra, a “terra de Canaã como herança” (v.11)

Andanças dos Patriarcas

  1. Quando eram um pequeno número, / bem poucos e estrangeiros no país,
  2. e migravam de nação em nação, / de um reino para outro povo,
  3. a ninguém permitiu oprimi-los, / e castigou reis por causa deles:
  4. “Não toqueis nos meus ungidos, / não façais mal a meus profetas!”

O autor sintetiza a época dos Patriarcas e os transfigura em “ungidos” e “profetas” (v.15), como já os chamara de “servos” e “escolhidos” (v.6).

José, humilhado e exaltado

  1. Chamou a fome sobre a terra, / retirou todo o sustento do pão.
  2. Enviou à sua frente um homem, / José, vendido como escravo.
  3. Prenderam seus pés com grilhões, / meteram-lhe o pescoço na argola,
  4. até que se cumpriu sua predição, / e a palavra do Senhor o justificou.
  5. O rei mandou soltá-lo, / o chefe do povo o pôs em liberdade.
  6. E fez dele o chefe da sua casa, / o administrador de todos os seus bens,
  7. para instruir seus príncipes como queria, / e ensinar sabedoria a seus anciãos.

É sabido como a história de José ocupa uma parte notável do livro do Gênesis, ao todo, quatorze capítulos (cc. 37.38-50), fazendo de ponte entre a história dos Patriarcas e os eventos do Êxodo. Exemplo típico do “mal que Deus converte em bem” (cf Gn 50,20), a humilhação de José transformou-se em bênção para a sua  família e o seu povo.

No Egito, Moisés e Aarão

  1. Então Israel entrou no Egito / e Jacó habitou na terra de Cam.
  2. Ele fez crescer o seu povo / e tornou-o mais forte que seus opressores.
  3. Mudou o coração deles, / de modo que passaram a odiar seu povo, / e agiram com astúcia contra seus servos.
  1. Então enviou Moisés, seu servo, / e Aarão, que Ele tinha escolhido.
  2. Realizaram entre eles seus prodígios / e sinais na terra de Cam.

Apenas cinco versículos resumem acontecimentos de séculos: desde a vinda dos irmãos de José, com seu pai, Jacó, “à terra de Cam”, o Egito, até a opressão sofrida por seus descendentes, agora multiplicados e vivendo sob o domínio de um faraó “que não conhecera mais José” (Ex 1,8). Foi então que Deus enviou-lhes Moisés e Aarão, aos quais o salmista confere os mesmos títulos dados a Abraão e a Jacó no v. 6: “servos” e “escolhidos”. Ambos, através de “sinais e prodígios”, deverão liderar o povo na reconquista da liberdade.

Sinais e prodígios

  1. Mandou trevas, e fez-se escuridão, / mas não respeitaram sua ordem.
  2. Mudou suas águas em sangue, / fez morrer seus peixes.
  3. Sua terra pululou de rãs, / até nos aposentos de seus reis.
  4. Ele ordenou e veio uma nuvem de moscas, / mosquitos em todo o seu território.
  5. Deu-lhes granizo em vez de chuva, / chamas de fogo no seu país.
  6. Danificou suas vinhas e figueiras, / quebrou as árvores do seu território.
  7. Ordenou e vieram os gafanhotos, / e saltões sem número,
  8. que comeram toda a erva do seu país, / e devoraram os frutos do seu solo.
  9. Exterminou todos os primogênitos na sua terra, / as primícias do seu vigor.

O salmista dedica nove versículos à descrição das “pragas”, reduzindo a sete as dez  do livro do Êxodo (Ex 7,14—11,10) e mudando a sua sequência: assim, a “praga” das trevas, que é a penúltima no livro do Êxodo, aparece aqui como a primeira, como que envolvendo de escuridão todos esses sinais, e fazendo com que os egípcios, com o faraó, não se comovessem nem se convertessem.

 Êxodo e  deserto

  1. Fez sair seu povo com prata e ouro / e ninguém nas suas tribos estava enfermo.
  2. O Egito se alegrou com sua partida, / pois lhes tinham inspirado terror.
  3. Estendeu uma nuvem para cobri-los, / e um fogo para iluminar a noite.
  4. A pedido deles mandou vir codornizes, / e saciou-os com pão do céu.
  5. Abriu o rochedo, e brotaram águas, / que correram no deserto como um rio.

A última “praga”, decisiva – a morte dos primogênitos (v.36) – determinou a saída do povo, o seu “êxodo”, da escravidão para a liberdade. Estranhamente não se alude à passagem do Mar, o prodígio mais celebrado nas tradições do Êxodo (cf Ex 14 e 15). Não se recorda, também, a outorga da Lei, no Sinai. Apenas se mencionam os despojos que o povo carrega, como justa compensação pelo trabalho escravo, e a saúde de todos, como que preparados para enfrentar as asperezas da caminhada. Na travessia do deserto, nenhuma menção das murmurações e motins, mas só gestos de carinho, de dia e de noite, com abundância de carne e de pão, este, “do céu”: o maná. Abundância também de água, que brota do rochedo e corre no deserto como um rio

Cumprimento da Promessa

  1. Pois lembrou-se de sua palavra santa, / dada a Abraão, seu servo.
  2. Fez sair seu povo com alegria, / seus eleitos com gritos de júbilo.
  3. E deu-lhes as terras das nações, / e tomaram posse da riqueza dos povos,
  4. a fim de guardarem seus preceitos, / e observarem suas leis.

A chave de tudo está no v. 42, que faz eco aos vv. 8-10, insistindo na Promessa, feita outrora, sempre lembrada, agora realizada. Os vv. 43-44 resumem a epopeia: saída alegre e triunfal, da escravidão, e entrada na Terra para dela tomar posse. O salmista não vê problema nessa usurpação, “legitimada” pelo Senhor. Em todo caso, essa entrada na Terra tem uma finalidade precisa: ela é dada para que o povo de Deus, agora livre, livremente guarde os preceitos, observe as leis do Senhor. É, assim, o que mais tarde expressará Zacarias, no seu cântico: “Para que, libertados dos nossos inimigos, nós possamos servi-lo em justiça e santidade, todos os dias da nossa vida!” (Lc 1,74-75).

Para refletir:

1) Por que este Sl 105 pode ser chamado  “o salmo do puro louvor”?

2) Como e para quem se expressa a Aliança divina?

3) Como é apresentada a figura de José do Egito?

4) Como o salmista resume a  travessia do deserto?

5) Qual é a  finalidade da entrada na Terra? Como a expressa o cântico de Zacarias?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

PODCAST: UM NOVO CÉU E UMA NOVA TERRA