Algumas perguntas desse tempo de pandemia nos angustiam. Não têm respostas. As possíveis respostas poderão nos afligir ainda mais. Pois Deus está sempre além do que possamos pensar e dizer sobre ele. É o mistério que nos fascina e atrai.
Deus está nos que sofrem
Onde está Deus nisso tudo? Será que se esqueceu de nós? Um sobrevivente dos campos de concentração do nazismo respondeu assim: Deus estava lá. Era ele que sofria as ofensas dos policiais, morria de fome nas prisões, ia desconsolado para as câmaras de gás. Deus está hoje aqui entre nós. É ele que sofre por falta de respiração, ele que se debruça para cuidar dos doentes que chegam aos hospitais, ele que morre e é sepultado sem receber a despedida de familiares e amigos, ele que vive medroso e assustado com a possibilidade de vir a ser infectado, ele que na idade avançada se vê acantonado e solitário, ele que não tem como participar de sua comunidade de fé. Ele está aí, impotente, mas presente. Solidário!
Deus nos pede para amar mais
O que ele nos quer dizer com tudo isso? Pra que serve todo esse sofrimento? Na aproximação do destino trágico, Jesus foi tomando consciência do sentido de sua morte. Ele veio para servir e resgatar os que estavam perdidos. Era difícil perceber alguma luz: “Afasta de mim este cálice (Mt 26,39); “porque me abandonaste? (Mc 15,34). Mas o importante era amar até o fim, ser fiel à vontade do Pai, anunciar o Reino também diante da cruz. Assim, seu sofrimento tornou-se como que um ímã que atraiu todo o mal do mundo para engoli-lo no poder do amor: “Onde está, ó morte, tua vitória?” (1Cor 15,55), foste engolida na vida nova da ressurreição. Em todo sofrimento que se nos aparece Deus nos pede para amar mais, para assumir a cruz, para transformá-la em oração de confiança, em presença de solidariedade.
Deus nos quer livres
Porque Deus permite isso? Porque não usa seu poder para acabar com esse mal? Deus não é quebra-galhos, tapa-buracos, pronto-socorro. E nós não somos robôs, marionetes, teleguiados. Deus é Pai, que nos cria por amor e nos dá liberdade e inteligência para fazermos nossa vida: viver e não ter vergonha de ser feliz. Nós somos convidados a assumir com confiança e coragem os revezes que a vida nos traz, reconhecendo e respeitando as leis da natureza e os dinamismos da história.
Artigo publicado na edição de julho de 2020 do Jornal da Arquidiocese, página 5.