O primeiro mandamento dos cristãos prega o amor a Deus sobre todas as coisas, com tudo o que somos e sabemos, o que podemos e fazemos. Mas para poder amar a Deus, é preciso antes fazer a experiência de ser por ele amado. O cristão sabe que é primeiramente amado por Deus, a quem chama de Pai. Uma das grandes revoluções espirituais e teológicas do último século é a compreensão de Deus como Pai, bondoso e exigente.
Um Deus repressor
Seguindo a pedagogia autoritária e repressora que regia as relações familiares e sociais, Deus era concebido como patriarca castigador e patrão cruel, um dominador onipotente, um arquiteto e relojoeiro que pôs o mundo em movimento e nada mais tem a ver com nossa vida. Essa imagem fez que muitos criassem rejeição a Deus e, por fim, aderissem ao ateísmo. Mas aí é preciso preguntar-se: de que Deus eu sou (ou o outro é) ateu? Nega-se, muitas vezes, não o Deus vivo e verdadeiro, mas uma imagem moralista e legalista de Deus.
Um Deus ausente
A reação à pedagogia autoritária produz a experiência contrária. Aí, por outros motivos, Deus também foi deixado de lado, desnecessário, supérfluo. Um Deus ausente ou permissivista, que nada exige, que não se pronuncia nem reage aos males do mundo. A essa concepção de Deus corresponde à imagem de muitos pais – mas também mães – que mimam mas não amam seus filhos, que os deseducam enchendo-os de presentes, para compensar o fato de eles mesmos não serem presentes na vida do filho. Os filhos dominam, deixando os pais na timidez e omissão, receosos de tomar decisões sérias e empenhativas.
Deus, pai amoroso
Após a experiência do ateísmo e da indiferença religiosa, começa-se a perceber a necessidade de voltar às Escrituras e anunciar um Deus companheiro, ao mesmo tempo amoroso e exigente, condescendente com nossas fraquezas, mas estimulador de nossas capacidades. Deus-Pai, que foi revelado por Jesus de Nazaré como seu e nosso Abbá, papai. Essa nova – mas antiga como a Bíblia – experiência de Deus veio favorecer uma relação mais afetiva e amorosa entre pais e filhos. Vê-se que é impossível viver sem uma referência, uma autoridade em quem se amparar. Vislumbra-se o equilíbrio: liberdade com responsabilidade, afeto com disciplina, amor com exigência! A imagem de Deus como Pai amoroso nos ajuda a entender-nos como irmãos e irmãs
Artigo publicado na edição 301 do Jornal da Arquidiocese, em junho de 2023, na página 5.