Ao falar, na Amoris Laetitia, da dimensão erótica do amor no casamento, o papa Francisco chama também a atenção a uma realidade muito comum: violência e manipulação nas relações de marido e mulher.
O RISCO DA PERVERSÃO
Depois de afirmar que o sexo não é um mal tolerável, mas um dom de Deus (AL, 152), o papa entra no realismo das patologias, baseadas na busca da satisfação egoísta dos instintos. É quando o eros (prazer) se degenera em thánatos (morte). A alegria e a beleza do amor se deturpam em relações de domínio e prepotência, violência e submissão, abuso e perversão. Como qualquer relação de amor apaixonado – seja no casamento, seja em qualquer amizade – corre-se o risco de um ciúme possessivo e doentio, no qual perde-se o senso de dignidade e de respeito à igualdade entre as partes.
A RECÍPROCA DOAÇÃO
No casamento, a submissão deve ser recíproca. Aqui o papa faz uma adequada interpretação da frase bíblica: “as mulheres sejam submissas aos maridos” (Ef 5,22). Ao considerar que “São Paulo exprime-se em categorias culturais próprias daquela época”, ele indica que “nós não devemos assumir esta roupagem cultural”, mas captar a mensagem divina, que se manifesta em termos de “recíproca doação”, “submissão mútua” (AL, 156). É o que o próprio Paulo havia dito pouco antes: “Sejam submissos uns aos outros, no temor de Cristo” (Ef 5,21). E o que vai dizer um pouco depois, referindo-se agora aos maridos: “amem as suas mulheres, como Cristo também amou a Igreja e se entregou por ela” (Ef 5,25); “devem amar suas mulheres, como amam seu próprio corpo” (Ef 5,28).
O EQUILÍBRIO DO AMOR
Falar dos perigos do amor apaixonado e das distorções da sexualidade não é motivo para desprezar e descuidar do sexo. Expressões de carícia, abraço, beijo e união sexual são sinais de amor verdadeiro, que sabe dar e receber. Não se trata apenas de dar, renunciando aos desejos pessoais só para fazer o bem ao outro, sem nenhuma satisfação. Trata-se de um jogo, em que aquele que dá amor confia que também vai receber amor (AL, 157). O papa Bento XVI havia ensinado em sua encíclica Deus Caritas Est (n. 7): “O ser humano não pode viver exclusivamente no amor oblativo, descendente. Não pode limitar-se a dar, deve também receber. Quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom”.
Publicado na edição de setembro/2017, nº 238, do Jornal da Arquidiocese.