Os 21 trabalhadores egípcios mártires – Pe. José Besen

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Os 21 trabalhadores egípcios mártires – Pe. José Besen

A Igreja 21-martires-egipcios-icone-de-toniy-rezkOrtodoxa Copta do Egito, antiqüíssima comunidade cristã fundada por São Marcos, tem a coragem e o testemunho de fidelidade provados por quase dois milênios. Nos primeiros séculos, foi perseguida pelo Império romano e, em seguida, pelo Império bizantino, mas não cedeu na fidelidade à pregação apostólica. E a grande provação continuou a partir do século VIII, com a dominação árabe e muçulmana, mas permanece fiel. Ela corresponde, hoje, ao antigo Patriarcado de Alexandria, onde vicejaram milhares de mártires e vicejou a grande Escola Teológica de Clemente e Orígenes, de Cirilo e de Atanásio. O nome “copta” é corruptela da palavra grega “eguipto”.

Foi nos desertos e oásis do Egito que, a partir do século III, Santo Antão deu impulso à vida monástica cristã nas suas formas de eremita e anacoreta: homens e mulheres deixavam tudo, família, bens, livros, para penetrarem nos desertos e ali combaterem o diabo face a face e se aprofundarem na contemplação de Deus: os Pais e Mães do deserto teciam cestos enquanto “ruminavam” a Palavra de Deus. Para não caírem na tentação do intelectualismo, preferiam ser analfabetos memorizando os textos bíblicos, especialmente os Salmos, rezados sem cessar.

Muitos desses mosteiros foram esvaziados pelo tempo, comodismo, pela perseguição. E foi no século XX que um jovem farmacêutico do Cairo, vendeu tudo, deu-o aos pobres e foi para o deserto: Matta El Meskin (1909-2006). Seguindo seus passos, milhares de jovens mergulharam no deserto e repovoaram dezenas dos antigos mosteiros. A perseverança dos cristãos coptas gerou comunidades fortes, decididas, corajosas frente às oposições. São 10% da população do Egito, 8 milhões de cristãos.

Foi nessa Igreja que, no dia 15 de fevereiro de 2015, 21 homens de El Minya, na maioria entre 20 e 30 anos, testemunharam a fé derramando seu sangue: Milad, Abanub, Maged, Yusuf, Kirollos, Bishoy e seu irmão Somaily, Malak, Tawadros, Girgis, Mina, Hany, Bishoy, Samuel, Ezat, Loqa, Gaber, Esam, Malak, Sameh e um operário do povoado de Awr.

Para ajudarem no sustento da família, imigraram numa cidade da vizinha Líbia, onde trabalhavam. Ali foram presos por integrantes do Estado Islâmico (EI) e levados para a provação final. Esses fanáticos aprendem a arte de degolar degolando cabras, pois o ódio deve manifestar também competência. Revestem seus prisioneiros com túnicas alaranjadas e eles vestem túnicas e capuzes negros. Filmam o rito de suas execuções para que sejam difundidas pela Internet: um pequeno discurso atacando o Ocidente e os cristãos, postam-se atrás da vítima, com uma mão erguem o queixo e com a outra cortam-lhe a garganta.

OS 21 MÁRTIRES CRISTÃOS COPTAS

Os coptas que assistiram ao vídeo da execução ouviram com clareza que esses jovens pronunciaram o Nome de Jesus antes que a navalha lhes roubasse a voz. O Nome de Jesus salva e foi esse Nome que lhes tirou o medo. Suas faces conservam a serenidade e ocultam a dor de deixarem suas famílias. Nenhum deles apostatou, na tradição de fidelidade própria dos coptas que aprenderam a alegria de viver e morrer como cristãos. Para que não paire dúvidas a respeito da fidelidade à fé cristã até o final, no momento do Batismo o copta recebe no pulso a tatuagem de uma cruz para que, se não puder falar ou expressar a fé, o sinal da cruz é a garantia de sua perseverança.

Beshir Kamel, irmão de dois egípcios decapitados – Bishoy, 25 anos, e seu irmão Somaily, 23 anos –, explicou que esta violência do EI “ajudou a reforçar a fé” dos coptas no Egito. Também comentou que sua mãe, uma sexagenária sem instrução, perdoou o assassino de seus filhos: “Minha mãe disse que ela suplicará a Deus para que o deixe entrar em Sua Casa, pois ele permitiu a seus filhos entrar nas Mansões eternas”.

Tawadros II, Papa da Igreja copta, ao ver que os jovens invocaram o Nome de Jesus antes da morte, incluiu os 21 nomes no Synaxarium, equivalente ao Martirológio romano, significando sua canonização, com a festa fixada para o dia 15 de fevereiro de cada ano. Por que logo canonizar? Aqueles simples trabalhadores, no momento em que iam sendo trucidados invocaram o nome de Jesus Cristo e a ele se confiaram.

Com sua morte, os 21 trabalhadores foram causa de unidade entre as grandes Igrejas: de Moscou a Kiev, de Constantinopla a Canterbury, os arcebispos e patriarcas manifestaram os mais fraternos sentimentos de dor e edificação a Tawadros II.

E Francisco, o Papa de Roma, abriu o coração e, sem perguntas doutrinais, fez um gesto nunca ouvido ou visto: comemorou numa Eucaristia católica cristãos de outra confissão: “Ofereçamos esta Missa pelos nossos 21 irmãos coptas, decapitados pelo único motivo de serem cristãos … rezemos por eles, que o Senhor os acolha como mártires, rezemos por suas famílias, pelo meu irmão [o patriarca copta] Tawadros que está sofrendo muito”. Foram palavras de grande intensidade espiritual, e a evocação da palavra “martírio” não é casual: aqueles simples operários a Jesus se entregaram, não renegaram sua fé, que foi o único motivo da morte violenta. Os algozes não perguntaram o nome de sua Igreja, quais suas crenças, doutrinas, ritos, mas apenas o objeto de sua fé: Jesus Cristo.

Papa Francisco concretizou o gesto do ecumenismo do sangue, do martírio. Aqueles homens eram simplesmente “cristãos”, discípulos de Cristo, por quem deram a vida. Chamando-os de mártires, Francisco canonizou-os com a Igreja Copta.

Lembro aqui um outro acontecimento da Igreja, a Celebração Ecumênica das Testemunhas da Fé no Pentecostes do Ano 2000. João Paulo II desejou celebrar os mártires de todas as confissões cristãs e o fez numa emocionante celebração diante do Coliseu em 7 de maio de 2000. Seu desejo era que fosse a Celebração dos Mártires da Fé cristã, mas o Cardeal Ratzinger fez-lhe chegar a observação de que, usando a palavra “mártir”, estaria canonizando a todos. Pelo bem da exatidão, optou-se pela palavra “Testemunhas”. Mas, em outro ponto manteve-se firme: os 11 bispos de El Salvador fizeram-lhe chegar o pedido para que não incluísse o nome do mártir Dom Oscar Romero, pois ele tinha sido uma das causas da violência em El Salvador. João Paulo II não perdeu tempo: incluiu o nome de Dom Romero e citou-o na oração da Coleta…

Francisco é um homem que vive a liberdade cristã: como não fazer seus os mártires das Igrejas cristãs, como não invocar aqueles, não católicos romanos, que morreram por serem cristãos?

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O ESPÍRITO FALA PELOS ARTISTAS

Pela rapidez dos meios eletrônicos de comunicação, correu e corre mundo um desenho do jovem artista egípcio, Wael Mories: os trabalhadores vestindo a túnica alaranjada caminhando junto com os algozes e, à frente, Jesus caindo por terra carregando a cruz, também ele com a túnica alaranjada. Os trabalhadores caminham firmes, e somente Jesus cai por terra: faz sua a dor de todos eles que morrerão por ele, e sofre intensamente o sofrimento deles. Solidário, não resiste e, quem sabe, pergunta: “Onde estás, ó homem? Onde está tua humanidade?” Foi a mesma pergunta que Francisco fez no Yad Vashem, em Jerusalém, recordando as vítimas do Holocausto judeu.

E outro artista egípcio, Tony Rezk, desenhou o ícone dos Mártires e que será a imagem a ser contemplada na Liturgia copta. Rezk desenhou os 21 homens com túnicas alaranjadas e estola vermelha, os Anjos e o Senhor também com a estola vermelha. A partir do Reino da glória Jesus lança as 21 coroas com que os dois Anjos coroam os mártires. Todos têm o mesmo rosto de Cristo, mas há um de cor diferente: é o trabalhador sudanês, de rosto mais escuro.

Quando a força do mal parece proferir a última palavra, a graça continua o caminho da vitória, pois o sangue dos mártires é semente de novos cristãos.

Pe. José Artulino Besen
Pe. José Artulino Besen

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