O salmo 143 (142) se apresenta como uma súplica individual de cunho penitencial, onde o orante se coloca, no início e no fim, como um «servo» (vv. 2.12) diante do seu Senhor (vv. 1,11). Entre ambos existe uma relação de lealdade, e o linguajar do salmista é cheio de confiança e respeito, expressões próprias da «aliança» («justiça», «juízo», «amor», «bondade», «graça», etc). Na «teologia da aliança», o vassalo que rompe o contrato é punido sendo entregue aos inimigos (um esquema clássico do livro dos Juízes). Efetivamente, ele reconhece que nenhum ser humano pode arrogar-se inocência diante dele (v. 2): «não chames a juízo o teu servo, nenhum ser vivo é inocente diante de ti». Diferentemente do reconhecimento de culpas pessoais, que são mais comuns nos salmos (cf. 25,7.18; 32,5; 38,4…), o reconhecimento intrínseco da culpa no homem é mais raro (cf. 51,5-7; 130,3). Esse pensamento se consolidou mais no período pós-exílio da Babilônia, cuja tragédia foi lida como fruto do pecado de todos (governantes e povo). O reconhecimento de culpa universal serviu de base para a teologia paulina da justificação por Deus (cf. Gl 2,16; Rm 3,20). Só Deus é justo e pode tornar justo, nenhum vivente pode salvar-se por si mesmo.
O orante manifesta seu conhecimento da Lei e do pecado e, assim, mergulha em sentimento de culpa e dor. Mas conhece, também, as «obras» do Senhor, os seus feitos antigos (v. 5), a sua bondade e misericórdia e, assim, tem confiança de que suas súplicas serão atendidas, pedindo proteção dos inimigos (v. 9.12), restauração da sua vida (v. 3) e do seu espírito que desfalece (v. 4).
O orante aparenta estar em precárias condições físicas, teme pela sua vida e, por isso, o inimigo pode ser uma doença, ou alguém que lhe inflige uma difícil existência. Ele espera superar as trevas e anseia pela «manhã» (v. 8). A «manhã» é o tempo da graça, é o início do dia, onde as esperanças se renovam.
A transposição cristã, feita por Jerônimo, diz que essa é a voz do «servo perfeito», isto é, Jesus que, perseguido até a morte, não ficou nas trevas, antes, foi tirado do sepulcro na manhã do primeiro dia. Jesus, com a sua inocência, sacrificou-se para conquistar a salvação àqueles que não podiam por si mesmos se salvar.
Leia o salmo e reflita:
1) Qual atitude assume o orante diante da justiça de Deus?
2) Quem é que ameaça a vida do orante?
Por Pe. Gilson Meurer
Artigo publicado na edição de outubro/2017, nº 239, do Jornal da Arquidiocese, página 08.