Palavra do Jubilar – Pe. Ney Brasil Pereira, na Missa do Jubileu de Diamante

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Palavra do Jubilar – Pe. Ney Brasil Pereira, na Missa do Jubileu de Diamante

 

DSC_5848Mensagem lida pelo Pe. Ney Brasil Pereira, na Missa dos seus 60 anos de ordenação presbiteral, em 25 de fevereiro de 2016.

 

Queridas irmãs e irmãos em Nosso Senhor!

 

Chegamos ao final desta Missa, concelebrada em ação de graças pelos 60 anos, o Jubileu de Diamante, da minha Ordenação Presbiteral. Muito obrigado pela participação de todos e todas, os que vieram de perto e de longe, nomeadamente meus familiares, irmãos e sobrinhos; tantos ex-alunos de Seminário, hoje Presbíteros, alguns inclusive Bispos; ex-alunos do Seminário de Azambuja e do ITESC, Instituto Teológico de Santa Catarina, hoje Faculdade Católica de Santa Catarina; e outros amigos e amigas pessoais, especialmente os cantores do Coral Santa Cecília desta Catedral; os membros da ENS N. Sra. da Luz;  os integrantes da Pastoral Carcerária; as Irmãs do Provincialado da Divina Providência; os membros da Comunidade Abbá Pai; os estudantes de Teologia do Seminário Teológico da Arquidiocese, Convívio Emaús, onde resido; de modo especial a Comissão que se envolveu nos preparativos desta Semana, Comissão constituída por membros do Coral Santa Cecília e da ENS da Luz, sem deixar de mencionar esta paróquia da Catedral, que colocou seus espaços à disposição das celebrações e dos coquetéis. A todos, mesmo os não explicitamente nomeados, a minha sincera gratidão.

Gratidão é certamente o sentimento dominante neste dia e nesta hora, gratidão ante de tudo a Deus, que preparou de antemão estas obras para que as praticássemos, e delas usufruíssemos, como diz o Apóstolo na carta aos efésios (Ef 2,10). Tudo é dom, tudo é graça, tudo é bondade e misericórdia do Senhor, de quem vem o querer e o agir, ainda segundo Paulo aos filipenses (Fl 2,13); do Senhor, de quem vem a saúde e a disposição, sem mérito algum de nossa parte, Ele, que conduz a bom termo as obras  por Ele iniciadas (cf Sl 138,8). É por isso que fiz questão de pedir emprestadas as palavras de Maria, no Magníficat: Ele fez grandes coisas para mim (Lc 1,49), e procurei expressá-las em música na minha última composição coral, há pouco entoada pelo nosso Coral Santa Cecília, acompanhado pelo órgão e o trompete. E tudo, nesses 60 anos, Ele o fez “para mim”, evidentemente não só para meu usufruto, mas para a edificação do Corpo de Cristo, que é a Igreja (Ef 4,12), “para que todos tenham Vida”, como o afirmou o próprio Senhor no evangelho (Jo 10,10).

Como escrevi no convite para este Jubileu, palavras aliás já escritas dez anos atrás, no Jubileu de Ouro, reafirmo agora: “A exemplo do santo Cura de Ars (+1859), uma das mais belas figuras de padre de toda a história da Igreja, creio também que ‘o sacerdócio ministerial é o amor do Coração de Jesus’. Só o Senhor sabe de que maneira, ao longo destes 60 anos, traduzi concretamente esse Amor. Só o Senhor, que me julgou digno de confiança e me chamou para o ministério, como escreveu o Apóstolo na sua primeira carta a Timóteo (1Tm 1,12). Ele, o Senhor, ao longo destes 60 anos, não deixou faltar o maná, descido do céu, nem a água brotada da rocha. Por isso, como ‘amor com amor se paga’, a Ele, com o meu amor, toda a honra e toda a glória!”

Entre tantos dons, tantas graças, tantas alegrias – às vezes, é claro, entremeadas de provações – devo ressaltar a graça maior, renovada cada dia ao longo destes 60 anos: a graça de presidir a Eucaristia, a Missa. Foram nada menos que 27.826 vezes, anotadas dia por dia.  Desde a primeira Missa, celebrada na cripta de Santa Cecília, sem pompa, com pequeno grupo de amigos, em Roma, na fria manhã de inverno de 26-02-1956, até esta solene Missa jubilar, nesta Catedral, 60 anos depois. Quase 28.000 vezes! Evidentemente, não é o número que conta, porque cada Missa é a Missa, o cumprimento do último pedido do Senhor Jesus, no fim da última Ceia: Façam isto em memória de mim! (Lc 22,19) Isto, o quê? O gesto tão simples de pegar o pão e parti-lo, como símbolo do corpo sacrificado, e pegar o cálice e apresentá-lo como o cálice da nova Aliança, com o sangue derramado:  corpo e sangue significando a vida entregue, na máxima prova de amor: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida (Jo 15,13). Gesto tão simples, tão comprometedor, porque aquele que o repete, cumprindo o pedido do Senhor, junto com os que com ele ali estão celebrando, se compromete, e os concelebrantes com ele, a entregar a própria vida pelos irmãos. Terei tido, em cada uma dessas quase 28.000 vezes, consciência do comprometimento que esse gesto significa? Os mártires, como Dom Romero, assassinado em ódio à fé junto ao altar da sua última missa, o tiveram. Uma mãe, um pai, que se dedicam, se sacrificam por seus filhos, certamente o fazem, mesmo não presidindo a Eucaristia. E nós, presbíteros, e eu, presbítero, padre, posso dizer que minha vida está entregue aos irmãos, às irmãs, especialmente aos mais necessitados?

O cálice com o qual presidi hoje esta Eucaristia é o mesmo que tive em minhas mãos naquela fria manhã de 26-02, sessenta anos atrás.  Na base interior desse cálice estão gravadas as palavras dos doadores: “Ao Padre Ney, para termos parte na sua Missa, seus pais e irmãos”. No exterior da base do cálice lê-se esta inscrição, em latim: Fidei martyrum futuri praecones discant adhaerere Christo, Mariae, Petro. Traduzindo: “Os futuros pregoeiros da fé dos mártires aprendam a aderir a Cristo, a Maria, a Pedro”. E no verso da patena, com o símbolo heráldico da Igreja de Roma, a inscrição: Corpus Christi, quod est Ecclesia: “o Corpo de Cristo, que é a Igreja” (Cl 1,18), isto é, o pão consagrado, sacramento do Corpo do Senhor é também, e ipso facto, sacramento da Igreja. Tudo isso me ajuda a vivenciar, da melhor maneira que me é possível, o mistério que tenho a graça de celebrar.

Na carta aos hebreus, quando seu autor começa a expor o mistério do sacerdócio do Cristo, não mais “segundo a ordem de Aarão” mas “segundo a ordem de Melquisedec” (Sl 110,4), ele assim escreve: “A este respeito, teríamos muito a dizer, coisas difíceis de explicar…”, e se estende por cinco densos capítulos (cc. 6 a 10). Eu teria, certamente, nesta hora, “muitas outras coisas a dizer”, as quais não seria “difícil” de expor, mas seria longo fazê-lo. Não é o caso aqui, neste final da nossa Eucaristia.

Uma coisa, porém, quero e devo acrescentar. É a consciência de que as alegrias desta comemoração não podem ser dissociadas das preocupações e tristezas que nos rodeiam, quer em nosso país quer em tantos países do mundo, nesta humanidade amada por Deus, mas que parece rejeitar o amor e sofre as consequências desta voluntária e/ou  involuntária recusa. Não posso esquecer-me de que, enquanto dou graças, tantos outros irmãos e irmãs não estão podendo agradecer, vítimas que são da violência, da injustiça, da guerra, da corrupção, do egoísmo… E a ação de graças não pode não estar acompanhada pelo clamor de misericórdia. E o Senhor, que tem sido tão bom para mim, me ajude a ser instrumento da sua misericórdia. É nesse sentido que vos convido a cantar, neste momento, com o Coral, o canto do agradecimento reconhecido: De graça recebestes, de graça dai! (Mt 10,8)

Florianópolis, 25 de fevereiro de 2016

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