Conhecendo o livro dos Salmos – 123, 124 e 125 (“Das Subidas” – II) – Por Pe. Ney Brasil

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Conhecendo o livro dos Salmos – 123, 124 e 125 (“Das Subidas” – II) – Por Pe. Ney Brasil

SALMOS 123, 124 e 125 – “DAS SUBIDAS” (II)

 

           

Todo mês, no Jornal da Arquidiocese, você confere a reflexão do Salmo pelo Pe. Ney Brasil Pereira.
Todo mês, no Jornal da Arquidiocese, você confere a reflexão do Salmo pelo Pe. Ney Brasil Pereira.

Continuemos “subindo” a Jerusalém, animados por mais alguns salmos “das subidas”, entre os quinze que constituem esse conjunto. No artigo anterior, estudamos os três primeiros desses salmos: o 120, que intitulamos “Longe da pátria”; o 121, para o “Início da romaria” ; e o 122, expressando o convite “Vamos à casa do Senhor”. Vejamos agora os três seguintes: o 123, que começa com a invocação “A ti, ó Deus”; o 124, com o título “Do nosso lado”; e o 125, com a comparação “Como o monte Sião”.

            Uma característica desses salmos, exceto o antepenúltimo (132), é a brevidade. A brevidade condiciona poeticamente seu desenvolvimento: uma ideia ou sentimento simples, um motivo literário, uma ou duas imagens. Evidentemente, a brevidade não é exclusiva deles. Assim, breve é o Sl 23, o do bom pastor; breve é o Sl 8, dedicado a um tema transcendental; breve é o Sl 1, pórtico de entrada no saltério; breve e dramático, o Sl 2; breve e peremptório, o Sl 82; breve e entusiasta, o Sl 87; breve e majestoso, o Sl 93; breve e misterioso, o Sl 110. Por isso mesmo, pelo fato de serem breves, eles sugerem desdobramentos, que o orante atento saberá perceber.

 

SALMO 123 (122) – A TI, Ó DEUS

 

            O duplo pedido de “piedade”, no v. 3, condiciona todo o salmo, que começa com uma elevação do olhar do suplicante  até o céu, onde habita Aquele que está acima dos pretensos poderes humanos. O motivo do movimento interior do salmista não é um perigo mortal, mas a humilhação perdurante, já insuportável.

                                               Como os olhos dos escravos

  1. [Cântico das subidas] A ti levanto os olhos, / a ti, entronizado no céu.
  2. Como os olhos dos escravos pendem da mão de seus senhores;

Como os olhos da escrava pendem da mão de sua senhora,

Assim nossos olhos estão voltados para o Senhor, nosso Deus / até que Ele

 tenha piedade de nós.

            Os olhos, que subiram, logo descem: das alturas do céu para o interior do palácio, ou de uma casa senhoril. Através de duas comparações, masculina e feminina, o salmista passa do “eu” ao “nós” comunitário, dos senhores humanos ao Senhor nosso Deus. É interessante a expectativa que ele constrói. O gesto dos olhos expressa uma atitude que o poeta fixa plasticamente; e a dupla comparação serve também para retardar a solução: “até que…”  A mão, senhoril, também serve para o gesto: não ameaça, apenas indica tarefas. Os olhos, agora da comunidade representada pelo salmista, se voltam para o soberano supremo, o Senhor nosso Deus, dele esperando um sinal de compaixão:

até que tenha piedade…

Saturados de insultos

  1. Piedade, de nós, Senhor, piedade, / pois estamos saturados de insultos;
  2. Nossa alma está farta das zombarias dos gozadores, / do desprezo

dos soberbos.

            O motivo da súplica é expresso por vários substantivos semelhantes: “insultos”, “zombarias”, “desprezo”. Isto, porém, numa escala tal, que satura e oprime. Quanto aos que zombam e desprezam, são identificados como “gozadores” e “soberbos”: se “gozadores”, porque são ricos; se “soberbos”, porque abusam do seu poder e sua riqueza, prevalecendo dos pobres. São pessoas, portanto, que “se gloriam do que possuem, como se não o tivessem recebido” (cf 1Cor 4,7).

SALMO 124 (123) – DO NOSSO LADO

 

O salmo começa com uma condicional irreal que fala de perigos extremos, expressos de diversas formas: “inimigos furiosos” e “águas impetuosas”… Mas de tudo isso o Senhor livrou, razão por que o salmo não é de súplica mas de ação de graças, como o demonstra o v. 6: “Bendito seja o Senhor!” Sim, Ele estava do nosso lado!

Se o Senhor não estivesse

  1. [Cãntico das subidas] Não estivesse o Senhor do nosso lado –

que o diga Israel –

  1. não estivesse o Senhor do nosso lado, / quando os inimigos nos atacaram,
  2. eles nos teriam devorado vivos, / no furor da sua ira contra nós;
  3. as águas nos teriam inundado, uma torrente nos teria afogado,
  4. águas impetuosas teriam passado sobre nós!

Reforçando a importância decisiva da presença do Senhor, o salmista afirma por duas vezes: “Se o Senhor não estivesse do nosso lado” no momento do ataque invasor dos inimigos, esse ataque seria fatal. Seria destruidor como uma inundação impetuosa, como um incêndio furioso. Qual terá sido o momento histórico ao qual o salmo se refere? Provavelmente, o inesperado levantamento do cerco de Jerusalém pelos assírios,  em 701 a.C, conforme lemos no 2º livro dos Reis (2Rs 19,32-34).

Bendito o Senhor!

  1. Bendito o Senhor, / que não nos entregou como presa aos seus dentes.
  2. Nossa alma escapou, como um pássaro, da armadilha do caçador:
  3. a armadilha rompeu-se / e nós ficamos livres.

A fórmula da “bênção” inicia a segunda parte do salmo, descrevendo de vários modos a libertação.  Primeiro, a comparação com a presa, que escapa dos dentes do predador. Depois, a comparação com o pássaro, que escapa da armadilha do caçador. Como? A armadilha rompeu-se, quebrou-se, não funcionou… e ficamos livres!

O Libertador

  1. Nosso auxílio está no nome do Senhor, / que fez o céu e a terra.

A conclusão do salmo é soberanamente tranquila, passada toda a agitação do perigo superado. E tranquila, porque fundamentada no auxílio do Criador, que fez o céu e a terra. Note-se que esta mesma profissão de fé encontra-se no Sl 121,2, embora aí esteja formulada na 1ª pessoa do singular: “o meu auxílio”. Aqui, na 1ª pessoa do plural, condensou-se como fórmula litúrgica.

 

SALMO 125 (124) – COMO O MONTE SIÃO

 

O início do salmo, especialmente seus dois versículos iniciais, parece introduzir um “hino a Jerusalém”, aparentando-se aos salmos 121 e 122. A partir do terceiro versículo, porém, temos um apelo à justiça retributiva de Deus, ultrapassando os limites da cidade e insistindo no tratamento diferenciado de bons e maus, justos e injustos, no conjunto do seu povo.

O monte e os montes

  1. Os que confiam no Senhor são como o monte Sião: / não vacila, está

firme para sempre.

  1. Os montes rodeiam Jerusalém: / assim o Senhor circunda seu povo

 desde agora e para sempre.

O monte Sião, com sua estabilidade e firmeza, é um parâmetro para os que confiam no Senhor: eles também, exatamente pela sua fé confiante, não vacilam, mas estão firmes para sempre. Quanto aos montes “que rodeiam Jerusalém”, servindo-lhe de defesa natural, são um símbolo da perdurante proteção divina, abrangendo todo o povo, desde agora e para sempre.

O cetro dos ímpios

  1. Ele não deixará que o cetro dos ímpios / domine sobre a posse dos justos,

Para que também os justos não estendam as mãos / para fazerem o mal.

O salmo se refere a  uma situação conflitiva, provavelmente pouco antes da revolta dos macabeus contra a dominação helenista de Antíoco IV, por volta de 180  a.C.. Certo número de judeus influentes apostataram, caindo na tentação de “estender a mão para fazerem o mal”. O salmista não sugere a reação violenta, pelas armas, mas invoca firmemente a justiça de Deus.

Protege os bons, castiga os maus!

  1. Trata bem, Senhor, aos bons / e aos retos de coração.
  2. Mas, os que se desviam por caminhos tortuosos,

Que o Senhor os elimine junto com os que fazem o mal.

      O salmista se exprime na linha da “teologia da retribuição”, pedindo que o Senhor “trate bem os bons”, mas “elimine”, junto com “os que praticam o mal”, aqueles que “se desviam por caminhos tortuosos”. Embora inspirado num sentimento de justiça, esse pedido não seria referendado pelo nosso Mestre, o Senhor Jesus, que nos ensinou a “amar os inimigos” e a “orar pelos que nos perseguem” (cf Lc 6,27-28).

Paz sobre Israel!

       “Paz”, em hebraico, shalôm, significa  não apenas paz das armas, ausência de  guerra, mas plenitude, satisfação, bem-estar, felicidade. Por isso, é significativo que este seja o voto usual na saudação quotidiana na língua hebraica, “a paz seja contigo, convosco”, voto expresso também por Jesus ressuscitado na sua primeira manifestação aos discípulos. Esta é a paz que pedimos incessantemente em cada eucaristia, suplicando-a ao “Cordeiro de Deus”, mas que é também tarefa nossa.

Pe. Ney Brasil Pereira

Email: [email protected]

Para refletir: 1) Que resulta do fato de que os “salmos das subidas” são, quase todos, breves?  2) De que se queixa o  autor do Sl 123(122)? 3) Você já experimentou em sua vida a situação descrita pelo Sl 124(123)? 4) Que simboliza o monte Sião e os montes que rodeiam Jerusalém, no Sl 125(124)? 5) Nesse mesmo salmo, o pedido do salmista contra os maus seria referendado por Jesus?

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