A carta a Filêmon, tão direta, breve, curta (provavelmente esse comentário irá lhe ultrapassar em linhas), foi redigida por São Paulo, enquanto prisioneiro em Roma, pelos anos 61-63 (outros preferem situar no cativeiro de Éfeso, pelos anos 52-54), para informar ao amigo que seu escravo fugitivo, Onésimo, estaria voltando para casa. O “bilhete” é um pedido para acolher esse escravo “como um irmão amado” (v. 16). Esse é, portanto, um valioso documento de como o cristianismo abala uma perversa estrutura das sociedades antigas: a escravidão.
Filêmon seria um abastado cidadão de Colossos, convertido ao cristianismo por Paulo, talvez em sua estada em Éfeso (anos 53-56). Onésimo era seu escravo e fugiu. Não são conhecidas as razões da fuga, nem de como foi parar em Roma, nem de como conheceu São Paulo, justamente um amigo de seu senhor. Mas Onésimo chegou à fé em Jesus Cristo por meio de Paulo, e a semelhança no nascimento para a fé é fundamento para admoestar a um relacionamento novo.
Pelas leis romanas, o escravo fugitivo deveria ser devolvido ao seu senhor, aguardando-lhe punições severíssimas. São Paulo não transgride e nem questiona diretamente a lei romana e o sistema escravagista (cf. Cl 3,22–4,1; Ef 6,5-9). Mas o amadurecimento das consequências da nova fé cristã, do batismo que faz todos filhos de Deus, fundamenta a base de uma sociedade mais igualitária: “não há …escravo ou livre…, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,23-29).
O apóstolo argumenta quanto lhe foi útil Onésimo na prisão. Com efeito, Onésimo significa “útil”. Confiante na boa evangelização oferecida a Filêmon, Paulo espera que ele faça muito mais do que pede na carta (v. 21). Filêmon significa “aquele que ama”, e seu nome e sua fé saberão dar a Onésimo um outro tratamento. Paulo dá o exemplo: mesmo sendo seu pai na fé, apóstolo com autoridade de Deus e da Igreja, ele não se impõe para conseguir o que deseja, pois “embora tendo toda a liberdade em Cristo de te ordenar o que convém, prefiro fazer um pedido invocando a caridade” (vv. 8-9).
A missiva é de uma beleza, singeleza, educação, cordialidade, humanismo e caridade únicas. E os novos relacionamentos sociais são apenas consequências concretas da verdadeira liberdade.
Por Pe. Gilson Meurer
Artigo publicado na edição de setembro do Jornal da Arquidiocese, pág. 8.