Entre os dias 13 e 15 de agosto de 2024, Florianópolis foi palco de mais uma edição do Simpósio Canônico Internacional, promovido pelo Instituto Superior de Direito Canônico Santa Catarina (ISDCSC). Com a participação de cerca de 170 pessoas de 16 estados brasileiros, o evento abordou um tema sensível e de grande relevância: “Tutelar, Prevenir e Recuperar: a crise dos abusos sexuais na Igreja e a sua correta gestão segundo a práxis do Dicastério para a Doutrina da Fé”.
Realizado no auditório da sede do ISDCSC, no centro da capital, o simpósio contou com a assessoria do Monsenhor Jordi Bertomeu Farnós, oficial do Dicastério para a Doutrina da Fé.
Diretor do ISDCSC, Prof. Dr. Pe. Tarcísio Pedro Vieira avaliou positivamente o simpósio. Em sua visão, o evento é essencial para fortalecer o estudo da ciência canônica e promover discussões sobre temas delicados e necessários. “O simpósio canônico representa muito porque, independentemente do tema, é sempre um momento especial de incentivo, de apoio à própria ciência canônica”, afirmou. Sobre o tema deste ano, ele destacou a importância de se abordar a tutela, a prevenção e a recuperação em casos de abusos, especialmente os que envolvem menores.
A alta procura pelo evento, que levou à reabertura das inscrições, também foi vista como um reflexo do interesse crescente pela formação nesse campo. “O tema foi muito relevante… Além disso, o conferencista deste ano, Monsenhor Jordi Bertomeu Farnós, é uma das autoridades mais especializadas para falar sobre o assunto, tanto pelo seu conhecimento técnico quanto por sua experiência como oficial da Cúria Romana”, acrescentou Pe. Tarcísio.
Para o participante Pe. Anderson Teixeira, da Arquidiocese de Vitória, no Espírito Santo, e ex-aluno do ISDCSC, a edição foi positiva, principalmente pela importância do tema fundamental para que, como padre, seja possível cuidar melhor do rebanho confiado por Deus, sobretudo daqueles que são mais frágeis e vulneráveis. “Assim como Deus cuida de nós, Deus cuida com carinho, Deus não maltrata, Deus ama, Deus protege a vida, nós fomos convidados também a ser esse reflexo de Deus, cuidando daqueles que Deus nos confiou”, completou Pe. Anderson.
Monsenhor destaca necessidade de ‘reset cultural’ na Igreja para enfrentar abusos sexuais
Durante sua palestra, conduzida em espanhol, Monsenhor Jordi destacou a necessidade urgente de uma mudança cultural dentro da Igreja para enfrentar a crise dos abusos.
Em entrevista, ele ressaltou a importância de abordar o tema com franqueza e comprometimento. “A Igreja, nos últimos 20 anos, encontrou-se em uma grave crise causada por uma cultura abusiva também dentro da própria Igreja, uma cultura devida ao exercício tóxico de poder. Então a Igreja está reagindo e o está fazendo como povo de Deus, o está fazendo de forma sinodal. Nesta reação ela procura exercer o poder de outra forma que, em última análise, é como estar presente no mundo e tornar presente o Evangelho de Jesus”, afirmou.
O conferencista destacou ainda que essa transformação passa pela acolhida e atenção às vítimas e pela necessidade de um “reset” na forma de entender o poder dentro da instituição. “A Igreja está aprendendo a superar o problema dos abusos, colocando a vítima no centro… é um ‘reset’ para entender que o exercício do poder passa pelo amor, o amor que é dedicação, o amor que é útil para todos, especialmente para os mais vulneráveis”, explicou Monsenhor Jordi.
Ao comentar sobre a situação dos abusos sexuais na Igreja no Brasil, Monsenhor Jordi reconheceu a complexidade do país, dada a sua dimensão e diversidade cultural, o que torna o enfrentamento desse problema um desafio particular. “O Brasil é um país muito complexo… há casos, há muitos casos, que são um desafio para os bispos do Brasil e para todo o povo de Deus. Logo, a solução também é complexa”, explicou. Ele também enfatizou a necessidade de superar a cultura de encobrimento e promover a transparência e a justiça para as vítimas. “Os casos devem ser trazidos à luz, devem ser tratados, deve ser feita justiça às vítimas, o escândalo deve ser reparado, deve haver conversão no clero”, acrescentou.
O simpósio reforçou o compromisso da Igreja com a correta gestão dos casos de abusos, destacando a importância de protocolos rigorosos para prevenir novos incidentes e tratar os casos existentes com seriedade e transparência. Monsenhor Jordi sublinhou o papel dos bispos nesse processo, apontando que eles têm a obrigação de garantir a formação adequada dos padres, a fim de evitar que abusos ocorram. “O povo de Deus tem direito a ter sacerdotes e diáconos que sejam idôneos, que sejam verdadeiros pastores à imagem do Bom Pastor. Os bispos têm um dever de formação que, creio, que será uma motivação para eles nos próximos anos”, finaliza.
O evento não só proporcionou um espaço para reflexão e troca de experiências, mas também reforçou a necessidade de uma abordagem humanizada e eficaz para enfrentar uma crise que afeta profundamente a Igreja.