Padre Jean Poul Hansen, natural de Cruzília, Minas Gerais, membro do clero da Diocese da Campanha (MG). Nascido em 25 de julho de 1976, o sacerdote possui uma extensa bagagem acadêmica, incluindo um mestrado em Teologia Dogmática pela Universidade Pontifícia de Salamanca, na Espanha, e especializações em Origens do Cristianismo. Com sua ordenação em 16 de outubro de 2004, iniciou sua missão pastoral.
Ao longo de sua história na Diocese da Campanha, Padre Jean Poul desempenhou papéis fundamentais como pároco, coordenador diocesano de pastoral e assessor da Pastoral Catequética. Sua contribuição se estende ao âmbito acadêmico, sendo docente na Faculdade Católica de Pouso Alegre (FACAPA) e membro da equipe de redação da Revista ECOando, da Editora Paulus.
Atualmente, como Secretário-executivo do Setor Campanhas da CNBB, o Pe. Jean Poul Hansen destaca-se por seu engajamento na promoção da fé e da solidariedade em todo o país. Nesta entrevista o sacerdote oferece valiosas perspectivas sobre a Campanha da Fraternidade 2024, cujo tema central é a Amizade Social.
Em 2024, celebramos os 60 anos da Campanha da Fraternidade. Desde Nísia Floresta até os dias atuais, que balanço podemos fazer? Qual retrato podemos traçar da CF para a Igreja no Brasil?
O balanço que podemos fazer desses 60 anos de Campanha da Fraternidade em âmbito nacional é extremamente positivo. A Campanha da Fraternidade cumpre, nesses 60 anos, os seus objetivos permanentes. Ela é um projeto nacional de evangelização e conversão, que consegue realizar da melhor forma aquilo que a Igreja chama neste tempo de pastoral de conjunto. Talvez nenhuma outra iniciativa da Igreja no Brasil tenha conseguido realizar a pastoral de conjunto como a Campanha da Fraternidade. Nesses 60 anos, ela pautou temas para a nossa conversão pessoal, comunitária e social, que nenhuma outra entidade no Brasil teve a coragem de pautar. Ajudou com a Coleta Nacional da Solidariedade inúmeras iniciativas, inúmeras obras sociais por todo o Brasil. A Campanha da Fraternidade fez o Evangelho chegar aos rincões mais distantes do nosso país como uma proposta de conversão e foi protagonista na recepção da doutrina social da Igreja no Brasil.
Neste ano, a Campanha da Fraternidade buscou inspiração na encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco para elaborar seu tema. Por que a Amizade Social se torna uma questão transversal a todas as outras campanhas, e qual é o objetivo da Igreja no Brasil ao propor essa temática?
A Amizade Social é outro nome da fraternidade, por isso ela é transversal a todas as outras campanhas. De fato, inspirada na Carta Encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco, a Campanha da Fraternidade deste ano quer repropor essa característica evangélica da Igreja: a fraternidade, a unidade, a comunhão, a amizade social. E quer fazê-lo por quê? Porque nossos bispos entendem e reconhecem que vivemos numa sociedade que vem progressivamente perdendo essa característica. Estamos vivendo na divisão, na polarização, na globalização da indiferença, no aumento da violência, do ódio, sinais e sintomas de que estamos perdendo essa característica fundamental da Igreja. Por isso, propor uma Campanha da Fraternidade sobre a própria fraternidade, com esse nome que o Papa Francisco nos traz: Amizade Social.
Os últimos anos têm sido tempos de tensões e divisões em nosso país, principalmente na esfera política, o que, de certa forma, influenciou acirramentos em diversos setores da vida pública, inclusive na Igreja. Nossa sociedade está verdadeiramente doente? Que enfermidade é essa, e quais são os principais sintomas?
De fato, os últimos anos têm acirrado esta polarização, esta divisão, e isso ficou muito evidente nas últimas eleições gerais do Brasil. Porém, a polarização política não é a causa da divisão; a polarização política é já uma consequência, um sintoma de algo mais profundo que vem acontecendo a longo prazo. O que nós sofremos, o que esses sintomas diagnosticam na nossa sociedade, é que nós padecemos de uma doença que nós chamamos, no texto base da Campanha da Fraternidade, de alterofobia, ou seja, medo, ódio e aversão a tudo que é outro, a tudo que é diferente de mim mesmo. E a causa principal da alterofobia é o hiperindividualismo. Com a ajuda da psicanálise, da psicologia, nós descobrimos, há não muito tempo, o valor da subjetividade, da individualidade, mas caímos na armadilha de enchermo-nos de nós mesmos e hoje estamos tão cheios de nós mesmos que o outro não cabe; já não acolhemos o outro em nós. E não conseguimos olhar para o outro e ver nele um irmão nosso, por causa do hiperindividualismo; nós olhamos o outro sempre como ameaça, sempre como inimigo, com o desejo de eliminá-lo. Por isso, a Campanha da Fraternidade aponta para essa enfermidade, essa enfermidade que nós percebemos através desses principais sintomas que nós apontamos há pouco.
Existe uma cura possível ou uma vacina para esse mal?
É bom lembrar, antes de falar da cura desta doença, da alterofobia, que ela é uma doença letal, fatal; ela conduz à morte. Se nós nos deixarmos tomar pela alterofobia, nós vamos nos matar reciprocamente e corremos o risco de extirpar da face da terra a espécie humana; nós já estamos caminhando para isso. Mas, o bom é saber que esta doença tem cura, tem tratamento; há remédio que é precisamente a amizade social, doses homeopáticas, tratamento contínuo. Porque a amizade social é um poderoso vasodilatador ou tendodilatador; ele dilata as nossas tendas, ele amplia o nosso coração; esse remédio faz com que nós nos tornemos acolhedores do outro, nos façamos receptivos ao outro, ampliando o espaço da nossa tenda pessoal, da nossa tenda comunitária e da nossa tenda social.
Mas, voltando ao tema, o que é amizade social?
O que é amizade social? Quem explica o que é amizade social é o Papa Francisco, naquela carta encíclica que está como pano de fundo desta Campanha da Fraternidade, a Fratelli Tutti, assinada em Assis, no dia 3 de outubro de 2020. Nela, o Papa Francisco nos diz que a amizade social é a capacidade de ampliar os nossos círculos para além dos nossos afetos, gostos e interesses. Nós temos que olhar para todos e reconhecer em todos os seres humanos nossos irmãos e irmãs, nossos amigos, pessoas de quem nós devemos cuidar como irmãos e irmãs. A amizade social é esta capacidade de ampliar o olhar, de ampliar a visão, de ampliar o próprio coração, para além daquilo que nós estamos acostumados.
Uma das críticas à Campanha da Fraternidade é que ela afasta a Igreja da espiritualidade da Quaresma. Isso é verdade? Como a CF pode ser, de fato, um espaço e tempo de conversão comunitária e até mesmo individual?
Essa crítica de que a Campanha da Fraternidade atrapalha a vivência da Quaresma está baseada em dois equívocos. O primeiro equívoco quanto à própria Quaresma, e o segundo equívoco quanto à Campanha da Fraternidade. O equívoco acerca da Quaresma é considerá-la um super-tempo, um tempo muito importante, mais importante do que os outros. Como se deslocar a Campanha da Fraternidade para a Páscoa fosse algo simples, fosse algo insignificante, ou realizá-la no tempo do Advento, ou no tempo do Natal, ou mesmo no Tempo Comum. Cada tempo da Liturgia tem a sua importância, e nenhum é mais importante do que o outro. Ainda assim, se fôssemos atribuir importâncias e pesos distintos aos tempos litúrgicos, o tempo da Quaresma não seria mais importante do que a Páscoa, pois ele é um tempo de preparação para a Páscoa. Creio eu que a Campanha da Fraternidade, há 60 anos realizada na Quaresma, nascida para o tempo da Quaresma, está perfeitamente ajustada ao seu tempo. O segundo equívoco é quanto à Campanha da Fraternidade. Se nós observarmos essa história de 60 anos e observarmos as origens da Campanha da Fraternidade, ela nasce como um projeto de conversão. E aí, sim, ela se localiza na Quaresma porque a Quaresma é um tempo de conversão. A Campanha da Fraternidade não é outra coisa senão um grande projeto de conversão pessoal, comunitária e social. Talvez um terceiro equívoco que podemos aqui identificar seja quanto a conversão. Hoje, nós vemos crescer no nosso país e no mundo uma tendência a uma fé circunscrita ao individualismo, a uma fé que não tem necessidade de vida comunitária e muito menos implicação social. A Campanha da Fraternidade não cede a essa tentação; é um projeto nacional de conversão, mas, de conversão que abarca os três âmbitos em que o Evangelho deve acessar e transformar a nossa vida: o âmbito da pessoa, o âmbito da comunidade e o âmbito da sociedade.
Por Adielson Agrelos – CNBB Leste 1
Via Vatican News