Com profundo pesar, a Arquidiocese de Florianópolis comunica o falecimento do Frei Jorge Leite Barros Nacif, eremita residente na Arquidiocese de Florianópolis, aos 92 anos.
O religioso realizou seus votos perpétuos em 1986 e residiu na Montanha Grão de Mostarda, nome do eremitério dado por ele, localizado no Morro do Lampião, no bairro Campeche em Florianópolis. Atualmente, devido a problemas de saúde, ele residia na casa de amigos. Com frequência subia ao morro, junto com o Pe. Vânio da Silva, pároco da Paróquia Nossa Senhora da Lapa, para celebrar a missa na capela dedicada a Nossa Senhora da Montanha.
O velório acontecerá a partir das 16h, na Capela São João Maria Vianney, no Rio Tavares. A missa de exéquias acontecerá às 19h.
Saiba um pouco mais sobre a vida de Frei Jorge
Artigo escrito por Hugo Adriano Daniel, professor e historiador
Jorge Leite Barros Nacif nasceu em Santo Antônio de Pádua no Rio de Janeiro em 22 de janeiro de 1933. Filho de Assef e Lígia Leite Barros Nacif.
Seu pai descendente de Sírio-Libanês era comerciante sendo proprietário de um boteco onde vendia comida caseira. Aos dez anos de idade o menino Jorge ficou órfão da mãe e no ano seguinte seu pai também veio a falecer. Foi criado pelo irmão mais velho José que faleceu em novembro passado aos 100 anos de idade.
Jorge foi batizado na Igreja matriz da paróquia Santo Antônio de Pádua onde freqüentava as missas rezadas em latim. Encantava-se com a belíssima imagem de São Francisco de Assis onde aos poucos foi despertando a vocação em ser Frei Franciscano.
Quando completou 21 anos de idade ingressou no convento franciscano na cidade de Rodeio e depois em Rio Negro no Paraná, na divisa com Santa Catarina. Ali permaneceu por cinco anos. Embora contrariando o desejo de seu mestre de noviço, por ver ali uma vocação à vida monástica, deixou o convento vindo morar em Florianópolis. Saiu do convento, mas nunca abandonou a vida espiritual.
Com ajuda das irmãs da Divina Providência, em especial a irmã Benwarda e Eduarda, se formou em técnico de enfermagem trabalhando e residindo no Hospital de Caridade, passando a ocupar um quartinho debaixo da escada. Ali atendia os doentes sem importar-se, com o dia ou com hora, estando integralmente a serviço do próximo. Serviu muitas vezes os médicos nas cirurgias como se fosse um instrumentador cirúrgico em uma época de difícil mão de obra especializada. Mas seu coração nunca se aquietou, sempre buscando a vida em silêncio.
Em 1961 o médico e diretor do hospital de caridade, professor Davi Ferreira Lima o convidou para trabalhar no laboratório do Curso de Medicina recém-criado. A partir daí se tornou funcionário público federal, deixando o quartinho do Hospital e foi morar no Colégio Coração de Jesus onde também realizava alguns trabalhos. Em 1987 foi homenageado pela Universidade Federal de Santa Catarina sendo reconhecido como um dos pioneiros do curso de Medicina.
Quando passou a trabalhar exclusivamente para o curso de medicina, passou a residir em uma casa adquirida na Rua Ferreira Lima, no coração da cidade, ao lado do prédio onde inicialmente funcionava o curso de medicina da Universidade Federal de Santa Catarina. Essa casa ainda está de pé e foi vendida quando o Frei Jorge já estava na Montanha.
Sempre assíduo na oração ingressou na Ordem Terceira de São Francisco e na Irmandade Filhos de Maria, sob a orientação espiritual do padre Bianchini e depois do padre Pedro Martendal cultivando uma longa e belíssima amizade. Padre Pedro era freqüentador assíduo da casa do Frei Jorge, onde aos domingos era celebrada a missa do movimento Focolare a o qual também pertencia.
Não se descuidava da oração, mas também gostava de assistir uma boa peça de teatro e um bom filme na tela do cinema, além das horas dedicadas a leitura. Era um devorador de livros passeando pelos temas teológicos, monásticos (em especial Thomas Merton) e os clássicos da literatura entre eles as obras de Exupery…
Frei Jorge nunca abandonou o desejo de consagrar-se integralmente a Deus se colocando sempre à vontade do Senhor. Em 1979 comprou um terreno no lado Nordeste do Morro do Lampião, no Rio Tavares, subindo pela rua Batuel Cunha onde passou a viver como eremita. Com ajuda de amigos e alguns ainda presentes em sua vida, construiu uma casa muito simples iniciando sua longa jornada monástica da forma mais radical possível.
Montanha Grão de Mostarda, desta forma denominou sua morada. Nos primeiros anos não havia luz elétrica na montanha e passava as noites em oração sob a luz de tocha, na escuridão ou no clarão da lua.
O início da construção da casa se deu pela cozinha feita de ripas revestidas com barro (casa de estuque). Ali o Frei Jorge dormiu muitas noites em cima de um banco. Depois em madeira, foi construído o restante da casa com uma ampla sala panorâmica de estar e biblioteca, quatro pequenas celas monásticas e uma pequena capela.
De imediato foi acolhido pela família Batuel, em especial por Dona Odilia e seu pai Batuel que lhe dava muitos conselhos. Batuel Cunha era um senhor de muita sabedoria, descendente de escravos.
Mas nem tudo foi tão simples assim. Passou por momentos difíceis, pois sua opção em andar de hábito e descalço despertava a atenção dos moradores do asfalto. Não foram poucas às vezes em que foi abordado para que aceitasse um par de sapatos. Como recusava, pois, andar descalço era uma opção que as pessoas não compreendiam, ouvia impropérios como maluco, maconheiro, mendigo e outros mais. Chegou a ser vítima até mesmo de pedradas. Nunca desanimou e cada vez mais se fortalecia e certo de que o seu sim a vontade de Deus era para sempre. Saia todos os dias de bicicleta em direção a universidade para trabalhar até aposentar-se em 1986.
Em 1986, na montanha, fez os votos de sua vida consagrada. A cerimônia foi presidida pelo frei Tarcísio e concelebrada pelo padre Evaristo Debias. Logo em seguida recebeu de Dom Afonso a autorização para manter o Santíssimo Sacramento em sua morada. Foram muitas noites e madrugadas em contemplação e oração ao Santíssimo em sua presença real.
Frei Jorge sempre nutriu muito carinho e afeição por Dom Afonso que o visitou três vezes na montanha e fez questão de registrar sua primeira visita com uma foto ao lado dele. Foto essa que guarda com muito carinho. Sempre fica muito emocionado ao dizer “Dom Afonso acreditou em mim”.
Quando Dom Eusébio assumiu a arquidiocese de Florianópolis em 1991, o Frei Jorge foi até a Cúria Metropolitana pedir autorização para continuar mantendo o Santíssimo Sacramento na Montanha. Dom Eusébio inicialmente falou que não era favorável, levando o Frei a uma profunda tristeza, mas em seguida comentou: “como você não vai ficar na montanha adorando pedras, pode permanecer como está”. A partir daí estabeleceram uma convivência de muito respeito.
Vegetariano, cultivava café, batata, milho, legumes e frutas. Criava galinhas e até vaca leiteira, buscando extrair o máximo possível de sua terra, contando sempre com a providência divina. Enquanto teve forças sempre produziu seu pão utilizando o fermento natural. Fazia também queijo e o excedente partilhava com os vizinhos e ainda vendia para seus amigos da universidade agregando os recursos na manutenção da vida na montanha. Para facilitar um pouco seu trabalho adquiriu um jipe que subia até o primeiro patamar da montanha, pois o restante do percurso não havia estrada.
Em 1987 contratou o Reginaldo, com carteira de trabalho assinada, como auxiliar nos serviços diários e contando com a força de um jovem de 17 anos realizaram muitas melhorias na montanha e a mais especial foi à colocação de pedras coletadas na própria montanha moldando o caminho da via-sacra onde toda sexta-feira, à meia-noite, revivia-se todo o Calvário de Cristo depois de um dia de jejum e penitência. Muitas vezes contava com a presença de amigos leigos, padres, seminaristas que subiam a montanha para esse forte momento de espiritualidade. No final da celebração da via-sacra e do jejum, se fazia uma refeição coletiva.
Iniciou o Reginaldo no aprendizado da escrita e leitura utilizando um livro escrito por monges de nome “O Pássaro”. Depois o trabalho foi continuado pelo Abrão.
Num certo dia o Reginaldo pediu autorização para usar o hábito que estava dependurado na porta e nunca mais o tirou. Como já estava com 21 anos decidiu entregar-se também à vida monástica. Nas horas mais difíceis ali
estava o Reginaldo, mesmo com seu problema de saúde, fiel parceiro na vida de oração e contemplação.
Em 1991, bem no centro da montanha, protegido por uma densa floresta, Frei Jorge construiu um eremitério onde se recolhia em oração e jejum. No eremitério chegou passar trinta dias a pão e água que eram levados pelo Reginaldo.
Em todos esses anos acolheu muitos candidatos à vida monástica na Montanha Grão de Mostarda, mas como viver o carisma, como dom do Espírito Santo, na radicalidade da vida eremita, exige muita renúncia, oração e contemplação, somente o Reginaldo prosperou. Assim Deus se manifesta na sua infinita bondade.
A montanha também recebeu muitos padres e seminaristas em busca de silêncio e retiro espiritual. Frei Jorge recorda da visita de padres de diversas regiões do mundo e até de bispos, mas sua memória não lhe permite citar o nome de todos. Cita com muito carinho o padre Debiasi com os seminaristas do Itesc, padre Berthran, o padre Edson de Lages os seminaristas e padres do Pime que subiram muitas vezes para celebrar com ele e o Reginaldo. Padre Paulo de Coppi do Pime marcava presença constante na montanha com a juventude da Missão Jovem.
Por um período de seis meses um padre alemão do Pime, de nome Manfredo, em seu ano sabático morou na montanha e foi muito bom, pois além de ajudar nos trabalhos celebrava-se diariamente a Eucaristia.
Em todos esses anos cultivou muitos amigos e amigas que sobem a montanha. Alguns para rezar e outros para um simples e afetuoso abraço.
Em 1998 o Frei Jorge viajou à Europa ficando encantado com as belezas do Vaticano, a espiritualidade de São Tiago de Compostela, a religiosidade em Fátima e a simplicidade da cidade de Assis, realizando seu grande desejo em visitar a terra de São Francisco. Em São Tiago de Compostela, enfrentou um frio intenso e ficou doente.
Quando retornou da Europa foi para a Amazônia a convite do padre Vicente Pavan do Pime para montar uma pequena comunidade isolada no meio da floresta aos moldes da Montanha Grão de Mostarda. Ficou apenas um mês. Não se adaptou com o clima quente da região e voltou para Florianópolis.
Embora passando por problemas de saúde e muito bem acolhido na casa do Abrão, Frei Jorge confidencia estar muito feliz com a disposição do Padre Vânio da paróquia Nossa Senhora da Lapa em subir a montanha uma vez por
mês para a Celebração da Eucaristia na Capela escavada sob a terra, dedicada a Nossa Senhora da Montanha. Toda semana me pergunta se já está na semana da missa, pois tem que preparar o altar com a toalha bordada por sua falecida mãe. Guarda com muito apego uma imagem de Nossa Senhora feita de chumbo que pertencia a sua mãe. Se refere sempre à imagem com o título de “mãezinha”.
Pergunto ao Frei Jorge qual o segredo da vida? “O segredo é amar incondicionalmente e perdoar sempre”.
