Os pais lutaram nos tribunais pelo direito de ao menos tentar um tratamento nos EUA – mas a “justiça” europeia negou
Os aparelhos que mantêm vivo o bebê britânico Charlie Gard, que sofre de uma doença rara, vão ser desligados nesta sexta-feira, 30 de junho de 2017.
Charlie Gard foi simplesmente sentenciado à morte.
O pequeno sofre de uma doença mitocondrial que provoca o enfraquecimento dos seus músculos e sérios danos cerebrais. Ele vinha recebendo suporte vital no Hospital Great Ormond Street, de Londres, mas os médicos “decidiram”, contra a vontade dos pais do bebê, que os aparelhos deveriam ser desconectados para “evitar um sofrimento inútil”.
Os pais de Charlie, Chris Gard e Connie Yates, pretendiam levar o filho aos Estados Unidos para um tratamento experimental e, decididos a dar a ele todas as chances possíveis de vida e cura, por mínimas que fossem, rejeitaram terminantemente a “sugestão” assassina dos médicos.
Em abril deste ano, a “justiça” britânica (entre aspas mesmo e com inicial minúscula mesmo, e bem minúscula) tinha autorizado o desligamento solicitado pelos médicos do hospital. Os pais de Charlie apelaram então ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo. Em decisão provisória, a corte europeia ordenou que o hospital mantivesse o bebê em vida durante ao menos 3 semanas, até a sentença definitiva.
Mas Charlie, Connie e Chris perderam de novo.
A “justiça” europeia também escreveu o próprio nome entre aspas e com minúscula. Muito, muito minúscula.
Nesta quinta-feira, 29 de junho de 2017, Connie Yates e Chris Gard foram às redes sociais para dar ao mundo a notícia estarrecedora e dizerem que estavam passando as suas “últimas preciosas horas” com Charlie.
Eles não foram autorizados nem sequer a levar o filhinho para casa.
“Prometemos ao nosso pequeno que o levaríamos para casa“, conta Connie.
Chris Gard acrescentou: “Queríamos lhe dar um banho, em casa, colocá-lo num berço onde ele nunca dormiu e isto nos foi negado. Sabemos em que dia o nosso filho vai morrer e não temos direito a nenhuma palavra sobre o que vai acontecer“.
“Não nos permitem escolher se o nosso filho vive, nem escolher quando e onde o Charlie morre. Charlie vai morrer amanhã [sexta-feira] sabendo que foi amado por milhares… Obrigado a todos“, completaram Connie e Chris.
Uma saga contra a cultura da morte e do descarte
Charlie tinha nascido saudável, em agosto de 2016, mas, aos 2 meses, foi internado com pneumonia por aspiração e seu quadro piorou muito rapidamente. Os pais iniciaram uma campanha de arrecadação de donativos para levar o bebê aos Estados Unidos. Graças à solidariedade concreta de dezenas de milhares de pessoas, eles angariaram mais de 1,5 milhão de euros (equivalente a mais de 5,5 milhões de reais).
Mas a “justiça” entre aspas e minúscula, primeiro a do Reino Unido, depois a da União Europeia, arrancou deles até o direito de tentar.
Todo o dinheiro angariado vai ser usado para fundar uma associação com o nome de Charlie, voltada a ajudar outras crianças que sofram da mesma condição rara – e, pelo menos no caso delas, salvar a vida.
Indignação e preocupação profunda
Sim, é verdade que Charlie tinha pouquíssimas chances de cura. Sim, é verdade que, mesmo se pudesse tentar o tratamento experimental nos EUA, Charlie muito provavelmente acabaria morrendo. Não é esta a questão assustadora deste debate. A questão assustadora é que a palavra final sobre a vida ou a morte de um ser humano foi assumida de modo absolutista por tribunais que se sobrepuseram à vontade dos próprios pais do bebê “julgado”, à revelia da sua vontade de continuar lutando pela vida do filho com seus próprios recursos particulares. O Estado terá mesmo o direito de atropelar a vontade de um casal que deseja, quer e pode continuar lutando pela vida de um bebê, por mínimas que sejam as chances de cura? É intensamente assustador observar que o Estado se arrogou esse direito. Essa postura do Estado recorda inevitavelmente episódios obscuros da história da humanidade.
Incansavelmente denunciada pela Igreja, em explícitas declarações do Papa Francisco, a cultura do descarte avança brutalmente pelo autodenominado “mundo civilizado”, disfarçada de um sem-fim de eufemismos hipócritas que não conseguem esconder a ideologia criminosa que a sustenta: a ideia de que uma vida vale enquanto é útil, não em si mesma e com valor absoluto.
Em artigo de 12 de abril, já havíamos manifestado profunda indignação e preocupação diante de mais um golpe dessa cultura do descarte e da morte, desferido mediante a decisão ditatorial e assassina de uma “justiça” ideologicamente apodrecida:
Foi digna de uma ditadura absolutista a cena tétrica no Alto Tribunal da Inglaterra em que a família de Charlie recebeu com gritos de “Não!” a odiosa decisão do juiz Nicholas Francis, que teve o desplante de declarar que batia o seu martelo homicida “com a maior das tristezas”, mas, ao mesmo tempo, com “a absoluta convicção” de estar fazendo “o melhor para o bebê“. Nas palavras indignantes do representante dessa minúscula “justiça”, o pequeno sentenciado ao extermínio merece “uma morte digna”! No parecer do juiz, porém, essa “dignidade” não consistiria em lutar pela vida mediante um tratamento novo, mas sim em ser forçado à eutanásia, sem qualquer respeito sequer pela vontade dos pais de garantir ao filho até a mínima das chances de vida.
Pode haver algum indicativo mais gritante de ditadura assassina do que a intromissão do Estado na decisão de uma família que quer a VIDA do próprio bebê?
É nojenta, abominável, a hipocrisia com que se tentam disfarçar com termos “doces” e “empáticos” as formas monstruosas de pensar, falar e agir dos escravos da cultura de morte e descarte que rege o mundo “civilizado” em nossa época. Essa cultura, que pervade cada vez mais corrosivamente o âmago de todos os segmentos da vida social, acadêmica, política e econômica da nossa sociedade suicida tem sido denunciada inúmeras vezes e com força pelo Papa Francisco, o máximo expoente atual da cultura da vida e do encontro que caracteriza o autêntico cristianismo.
A estarrecedora metástase do câncer moral que apodrece por dentro e por fora a “sociedade civilizada” fede nas palavras do juiz, que teve a coragem de se dirigir da seguinte forma aos pais do bebê cujo assassinato ele acabava, impavidamente, de decretar:
“Quero agradecer aos pais de Charlie pela sua campanha valente e digna em nome dele, mas, principalmente, prestar homenagem à sua total dedicação ao seu filho maravilhoso desde o dia em que nasceu”.
Não consigo enxergar nenhuma possibilidade de ouvir uma declaração como esta, nesse contexto, sem sentir a força de um soco na cara e os ecos de uma gargalhada de deboche em cada sílaba dessa condenação.
Que grau de monstruosidade é necessário, consciente ou já subconscientemente, para sentenciar um bebê à morte e se dirigir com tamanha hipocrisia aos pais da sua vítima indefesa? Uma vítima que ainda tem uma chance a seu alcance!
A advogada da família de Charlie, Laura Hobey-Hamsher, resumiu os efeitos dessa sentença ditatorial e assassina declarando que os pais do bebê ficaram simplesmente “arrasados”.
O filho deles tem uma chance de vida! Mínima, ínfima, não importa: é uma chance e eles querem e têm o direito de abraçá-la com toda a força da sua esperança e do seu amor de pais!
QUEM pode se arrogar o “direito” de lhes negar essa chance? QUEM?
Devastadoramente, esta não foi primeira vez que um juiz da “civilizada” Inglaterra determinou o desligamento do suporte vital a um bebê apesar da expressa vontade dos seus pais de continuar lutando pela vida. Em 2015, a “justiça” inglesa, minúscula e entre aspas, se fez cúmplice do assassinato de uma menina que tinha sofrido danos cerebrais irreversíveis devido à falta de oxigênio durante o parto, ocorrido dentro de um automóvel.
Se a “justiça” realmente acredita que está fazendo “o bem” ao tomar esse tipo de decisão homicida, a situação, já abominável em si mesma, consegue se tornar ainda mais sombria, preocupante e assustadora. “Cega” nunca foi melhor adjetivo para descrevê-la.
Qualquer ser humano que tenha um pingo de sincero desejo de defender a vida tem a obrigação moral de se manifestar em alto e bom som diante dos ataques cada vez mais abertos das hordas da morte e do descarte. Por enquanto, o direito de protesto ainda não nos foi proibido. Por enquanto.
Esta nossa opinião, que continua a mesma e agora é acrescida de ainda mais estarrecimento, dor e indignação, pode ser lida neste artigo:
Horror: Inglaterra condena à morte um bebê inocente de 8 meses de idade
Por Aleteia
“Nota da Academia Pontifícia para a Vida em relação ao caso Charlie Gard”
“O caso do bebê, Charlie Gard e seus pais, significou tanto dor como esperança para todos nós. Nos sentimos perto dele, a sua mãe, seu pai e todos aqueles que o cuidaram e lutaram juntos com ele até agora. Para eles, e para aqueles que são chamados a decidir o seu futuro, elevamos ao Senhor da Vida nossas orações, sabendo que “no Senhor, nosso trabalho não será em vão” (ICor 15,58)
A Conferência Episcopal da Inglaterra e do País de Gales, emitiu hoje uma declaração que reconhece acima de tudo a complexidade da situação, a dor dos pais e os esforços de tantos para determinar o que é melhor para Charlie. A declaração dos Bispos também reafirma que ‘nunca devemos agir com a intenção deliberada de acabar com uma vida humana, incluindo a remoção de nutrição e hidratação, para que a morte seja alcançada’, mas que ‘nós, às vezes, devemos reconhecer as limitações do que pode ser feito, enquanto atuam sempre humanamente ao serviço da pessoa doente até o momento de sua morte natural’.
A questão adequada a ser levantada neste e em qualquer outro caso infelizmente é semelhante a esta: quais são os melhores interesses do paciente? Devemos fazer o que promove a saúde do paciente, mas devemos aceitar os limites da medicina e, como indicado no parágrafo 65 da Encíclica Evangelium Vitae, ‘evite procedimentos médicos agressivos que sejam desproporcionais em relação aos resultados esperados ou excessivamente onerosos para o paciente ou família. Do mesmo modo, os desejos dos pais devem ser ouvidos e respeitados, mas também devem ser ajudados a entender a dificuldade única de sua situação e não devem ser responsabilizados apenas por suas decisões. Se a relação entre o médico e o paciente – ou os pais, no caso do Charlie – é interferida, tudo se torna mais difícil e a ação legal se torna um último recurso.
Caro Charlie, queridos pais Chris Gard e Connie Yates, estamos rezando por você e com você.
+Vincenzo Paglia – Presidente
Cidade do Vaticano, 28 de junho de 2017″ [1]