Conhecendo o livro dos Salmos – 119 (118) I – Por Pe. Ney Brasil

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Conhecendo o livro dos Salmos – 119 (118) I – Por Pe. Ney Brasil

SALMO 119(118) – O SALMO DA LEI (V)

 

           

Todo mês, no Jornal da Arquidiocese, você confere a reflexão do Salmo pelo Pe. Ney Brasil Pereira.
Todo mês, no Jornal da Arquidiocese, você confere a reflexão do Salmo pelo Pe. Ney Brasil Pereira.

Chegamos ao quinto artigo sobre o “Salmo da Lei”. No artigo anterior recorremos a Santo Agostinho, para refletir sobre o modo como Jesus rezava este salmo, e como Ele agora, junto ao Pai, o reza, conosco e por nós. Continuemos, pois, a inspirar-nos nas considerações do Santo Doutor: “Ele, o Cristo, ora por nós como nosso Sacerdote; ora em nós como nossa Cabeça; e recebe a nossa oração como nosso Deus. Reconheçamos nele a nossa voz, e em nós a sua voz. […] É a Ele que toda a criação serve, porque todo o universo é obra de suas mãos”.

“Por isso, contemplamos sua divindade e majestade, quando ouvimos: No princípio era a Palavra, e a Palavra se dirigia a Deus; e a Palavra era Deus. No princípio estava Ela com Deus. Tudo foi feito por Ela e sem Ela nada se fez (Jo 1,1-3). Mas, se nesta passagem contemplamos a divindade do Filho de Deus que supera as mais excelsas criaturas, ouvimos também em outras passagens da Escritura o mesmo Filho de Deus que geme, ora e louva”.

“Hesitamos então em atribuir-lhe tais palavras, porque nosso pensamento reluta em passar da contemplação de sua divindade à sua humilhação, como se fosse uma injúria reconhecer como homem aquele a quem orávamos como a Deus. Por isso, nosso pensamento fica muitas vezes perplexo e até se esforça por alterar o sentido  das palavras”. Mas não lhes alteremos o sentido. Também neste “Salmo da Lei”.

 

17ª estrofe (119,129-136): Letra PÊ – A BOCA

 

Abro a boca

  1. Maravilhosos são teus testemunhos, / por isso minha alma os perscruta.
  2. O ato de se abrirem as tuas palavras ilumina, / dá sabedoria aos simples.
  3. Abro a boca suspirando, / porque anseio por teus mandamentos.

            Estes três versículos expressam o assombro do salmista, diante dos mandamentos da Lei. Eles são “maravilhosos” e, por isso, dignos de ser perscrutados, investigados incansavelmente. Quando  são “abertos” (v. 130), isto é, desvendados, eles iluminam, proporcionando sabedoria aos humildes. O assombro leva o salmista a “abrir a boca”, não tanto para tragar o ar, de espanto,  mas para “comer” o conteúdo saboroso da Lei, mais doce que o mel.

Volta-te para mim

  1. Volta-te para mim e tem compaixão, / segundo o julgamento para

os que amam o teu nome.

  1. Firma meus passos segundo a tua promessa, / e não deixes que me domine

                                                                                              mal algum.

  1. Livra-me da opressão dos humanos / e obedecerei a teus preceitos.

            Se os versículos anteriores expressavam o assombro do salmista, estes três versículos verbalizam seus pedidos: que o Senhor “se volte para ele”, que firme seus passos e o liberte, não deixando que mal algum o domine. Que o Senhor também o liberte da opressão humana, literalmente “de homem”, depois de referir-se, no versículo anterior, à opressão diabólica, sintetizada pelo “mal” (v. 133). Então, no final do v. 134, a promessa, mais vezes repetida: “e obedecerei a teus preceitos”.

O brilho de tua face

  1. Faze brilhar o teu rosto para com teu servo, / e ensina-me teus estatutos.

            Sem mencioná-la explicitamente, o salmista recorre à expressão da “bênção sacerdotal” do livro dos Números: “O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face” (Nm 6,25). É o que ele pede para si mesmo, como também o autor do Sl 80,4: “faze brilhar o teu rosto sobre nós e seremos salvos”. Aqui, o pedido é individual, para si mesmo, como também o pedido seguinte, no mesmo versículo: “ensina-me”.

Rios de lágrimas

  1. Rios de lágrimas descem de meus olhos / pelos que não guardam tua lei.

            De repente, depois do belo pedido anterior, o salmista emprega uma imagem hiperbólica: fala de “rios de lágrimas” que descem de seus olhos, de compaixão pelos infelizes que não guardam a Lei. Essa compaixão é semelhante à que expressou Jeremias, em relação ao seu povo (Jt 9,1) e, mais ainda, à de Jesus, em relação a  Jerusalém impenitente (Lc 19,41).

 

18ª estrofe (119,137-144): Letra TSADE – JUSTIÇA

 

És justo, Senhor

  1. Tu és justo, Senhor, / e reto é o teu julgamento.
  2. Com justiça ordenaste teus testemunhos, / e com fidelidade incomparável.

            A afirmação da justiça de Deus perpassa toda a Bíblia, explicita ou implicitamente. Só Ele é plenamente justo, só Ele merece a proclamação que encontramos insistentemente  no final do Apocalipse: Tu és justo, Senhor, Aquele que é e que era, o Santo, por teres julgado desse modo!… Sim, ó Deus, teus julgamentos são verdadeiros e justos! (Ap 16,5.7). Justos e verdadeiros são teus  caminhos, ó Rei das nações! (Ap 15,3) Teus julgamentos são verdadeiros e justos! (Ap 19,2) De que “justiça” se trata? Ao nosso modo humano de ver, é a justiça punitiva, retributiva, conceito, porém, que não esgota o conceito da justiça divina, também salvífica e misericordiosa. É o que salmista proclama aqui, não se esquecendo de juntar à justiça a fidelidade.

O meu zelo

  1. O meu zelo me devora, / porque meus adversários esquecem as tuas palavras.

            O “zelo”, no sentido original, tem algo de “ciúme”. É o “amor ciumento”, que não admite  ofensa contra o amado. Assim, o “zelo” do salmista é excitado exatamente pela pouca importância dada, pelos adversários, às “palavras” de Deus. No Sl 69,9 o salmista fala do “zelo” pelo Templo, pela honra da Casa do Senhor, “zelo” que “devorou”o próprio Senhor Jesus, diante do triste espetáculo do Templo convertido em “covil de ladrões” (cf Jo 2,17).

Tua promessa

  1. Acrisolada é a tua promessa, / teu servo a ama.

            O Sl 12,7 fala também das “promessas” do Senhor, como aqui, “sinceras”, “qual prata refinada, sete vezes depurada”, metáfora inspirada na ourivesaria ou prataria. É um bem mais precioso que qualquer joia, que merece o amor do salmista.

Pequeno e desprezado

  1. Sou pequeno e desprezado, / mas não esqueço teus preceitos.
  2. Tua justiça é justiça eterna, / e verdade é a tua lei.

            Recorrendo à linguagem da humildade, o salmista confessa-se “pequeno e desprezado”, sem porém deixar certa ufania: “mas não esqueço teus preceitos”. A seguir, o louvor da “justiça” e da “lei”. Esta, não apenas “verdadeira”, mas a própria verdade, ou seja, a fidelidade.

Angústia e opressão

  1. Angústia e opressão caíram sobre mim; / mas teus mandamentos

são minhas delícias.

  1. Teus testemunhos são eternamente justos: / faze-me compreendê-los e terei a vida.

            Depois de mencionar sua “pequenez” (v.141), o salmista se queixa agora de “angústia e opressão”, sem perder de vista, porém, as “delícias” dos mandamentos divinos. Como eles são “eternamente justos”, a graça de “compreendê-los” garantirá a  “vida” ao orante, incluindo, por certo, a superação da “angústia e opressão” pelas quais está passando.

 

19ª estrofe (119, 145-152) – Letra QOF – SÚPLICA

 

Eu te invoco

  1. Eu te invoco de todo o coração, / Senhor, responde-me.
  2. Clamo a ti, salva-me, / e guardarei teus testemunhos.

            A súplica, aqui, é insistente. O salmista invoca a Deus “de todo o coração” e pede que o Senhor intervenha, fale, “responda”. Ele “clama”, pedindo que o Senhor o “salve”, enquanto renova a promessa de guardar-lhe os “testemunhos”. Aqui, como ao longo do salmo, “testemunhos” do Senhor são os seus mandamentos.

Precedo a aurora

  1. Precedo a aurora e peço socorro, / espero nas tuas palavras.
  2. Meus olhos antecipam as vigílias da noite / para meditar na tua promessa.
  3. Escuta minha voz, segundo a tua misericórdia, Senhor! / Faze-me viver, de acordo

com os teus julgamentos.

            Mantendo a insistência na súplica, o salmista adianta-se à aurora  e às próprias “vigílias da noite”, meditando na “promessa” do Senhor. E apela à divina misericórdia, suplicando pela graça de ter salva a vida, ou seja, de “viver”.

Tu estás perto

  1. Aproximam-se os que me perseguem com malícia,/ afastaram-se para longe

da tua Lei.

  1. Mas tu, Senhor, estás perto, / todos os teus preceitos são verdadeiros.

            Neste dístico, há contrastes entre “perto” e “longe”, entre “aproximar-se” e “afastar-se”: os perseguidores, que “se aproximam”, são os que “se afastaram” da Lei. Por outro lado, se eles “se aproximam”, o Senhor já “está perto”, garantindo a proteção do salmista.

Desde muito

  1. Desde muito conheço teus testemunhos, / que estabeleceste para sempre.

            A fidelidade do salmista vem de longe, “desde muito”. Seu conhecimento dos “testemunhos” divinos não é apenas teórico, mas ético: ele os “conhece” de verdade e, por isso, os pratica.

Pe. Ney Brasil Pereira

Professor emérito de Exegese Bíblica na FACASC

email: [email protected]

 

Para refletir: 1) A que leva o “assombro” do salmista, perante a Lei?

2) Que significa o reconhecimento de Deus como “justo”?

3) Em que sentido o “zelo” devora o salmista?

4) Que significa a proximidade de Deus, diante da aproximação dos inimigos?

5) Em que sentido o “conhecimento” dos “testemunhos” divinos

deve ser ético, não apenas teórico?

 

 Por: Pe. Ney Brasil Pereira – Professor Emérito de Exegese Bíblica na FACASC/ITESC

 

 

 

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