O que é “ressuscitar”? No Catecismo da Igreja Católica (CIC), encontra-se a resposta. “Na morte, que é a separação da alma e do corpo, o corpo do homem cai na corrupção, ao passo que sua alma vai ao encontro de Deus, ficando à espera de ser novamente unida a seu corpo glorificado. Deus, em sua onipotência, restituirá definitivamente a vida incorruptível a nossos corpos, unindo-os às nossas almas, pela virtude da ressurreição de Jesus”.
De fato, Jesus ressuscitou, como narra o apóstolo São João no capítulo 20 do Evangelho: “No primeiro dia da semana, Maria Madalena vai ao sepulcro, de madrugada, quando ainda estava escuro e vê que a pedra fora retirada do sepulcro. Corre e vai a Simão Pedro e ao outro discípulo, que Jesus amava, e lhes diz: ‘Retiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram’… Então, entrou também o outro discípulo que chegara primeiro ao sepulcro: e viu e creu. Pois, ainda, não tinham compreendido que, conforme a Escritura, ele devia ressuscitar dos motos” (João 20,1-2.8-9).
A própria Escritura aponta que, num primeiro momento, a ressurreição de Jesus deixa incrédulos até mesmo os discípulos. Mas pela graça de Deus, eles logo se convencem.
“Cristo ressuscitou com seu próprio corpo – ‘Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo!” (Lc 24,39). Ele, porém, não voltou à vida terrestre. Da mesma forma, nele todos ressuscitarão com seu próprio corpo, que têm agora, porém, este corpo será ‘transfigurado em corpo de glória’ (Fl 3,21), em ‘corpo espiritual’ (1Cor 15,44), explica o CIC. Ressuscitar, portanto, é a meta para todo cristão. Mas é um convite para todos os dias.
Ressurreição e vida nova
“Está no Estatuto, ao exercer o voluntariado, vamos exercer a misericórdia na prática”. Assim, o cofundador da Comunidade Católica Abbá, Pai, Bernardo Silva Junior, 47 anos, afirma que experimenta a ressurreição na misericórdia para com os presos em Florianópolis, no desejo que cada um tem por uma vida nova. Há 14 anos, ele e o fundador, Ivano Alves Pereira, atuam na Pastoral Carcerária, com o Pe. Ney Brasil, nas visitas aos sábados.
Bernardo cita que essa prática “nos dá maturidade para viver bem a misericórdia. E como nos faz bem, ser misericórdia. Padre Ney liga na sexta-feira e diz: ‘coragem, Bernardo, coragem, Ivano! Vamos’. Estamos ali para viver o Evangelho: estava preso e fostes me visitar”.
Recentemente, Bernardo conta que encontrou um ex-detento ao final de uma missa. Ele conseguiu um trabalho, casou, frequenta a igreja e, em lágrimas, este homem desabafou que a visita da pastoral, quando estava no presídio, ajudou muito. “Essa ressurreição eu vejo neles, uma alegria pelo desejo de recomeçar. A gente vê no olhar, na comoção. Só Deus mesmo para tocar o coração deles e lhes dar uma nova vida”, observa o voluntário.
Olhar para o detento e ver nele um irmão, não julgar. Bernardo comenta que o Papa diz: “por que ele está preso e não eu?”. “Ele é um ser humano digno de perdão. Isso me transforma e me faz experimentar a ressurreição. Eles têm que pagar o delito, sim, mas dizemos para eles que podem mudar. Toca no meu coração e me faz ter um olhar de misericórdia e não de julgamento para todas as pessoas. Nestes 14 anos já amadureci. Nosso Deus é o Deus da vida. A morte nunca será a solução, porque a vida vence a morte, porque Jesus venceu a morte e disse: ‘Eu vim para que todos tenham vida e em abundância’”.
Ressurreição no Sacramento da Reconciliação
Para o pároco da Paróquia do Santíssimo Sacramento, de Itajaí, Pe. Sérgio José de Souza, a ressurreição acontece, de modo particular, pelo sacramento da Reconciliação. “O pecado nos tira a força, a vida. O perdão ressuscita a criatura humana. Do pó se faz uma nova criatura. Porque a misericórdia de Deus não tem limite e o seu perdão também não”, destaca o padre.
Neste Ano da Misericórdia, Pe. Sérgio diz que tem testemunhado a busca intensa das pessoas para se reconciliarem com Deus. Ele explica que os fiéis têm retomado toda a sua história. “O convite de Deus é este: sede santos, como nosso Pai do céu é santo. O sangue de Jesus tem poder, é por ele que somos curados de toda ferida que o pecado causa. E no calvário, a cruz se tornou a árvore da vida”, sublinha o padre.
Ele continua ao enfatizar que “o nosso Deus é o Senhor da vida e deseja visitar a cada um para nos dar o banho do seu amor que nos gera para uma nova vida. Ressuscitemos com o Senhor, que é o Deus da vida. A ressurreição é a vida em sua plenitude, vida com Deus”.
Ressurreição na família
Ela tem apenas 24 anos, mas uma experiência de nove anos nas ruas, em uma vida sem sentido. Cacilda Diana Alves, natural de Joaçaba (SC), lembra que a mãe a deixou com a avó, quando ela tinha três meses de vida. Nunca conheceu o pai.
Foi batizada na Igreja Católica e a avó a conduziu para os caminhos da iniciação à vida cristã. “Os jovens têm que ter a consciência de que através da família é que a pessoa se torna alguém e melhor”, assegura Cacilda. Foi coroinha, líder da Infância Missionária e ajudante de catequista.
Na transição dos 13 para os 14 anos, veio morar com a avó em Florianópolis. Nesta mudança, passou a sofrer bullying na escola e um dia decidiu escolher um grupo do qual puedesse fazer parte. Entrou no mundo do rock e aos poucos começou a ir em baladas, conheceu o álcool, o cigarro e a droga. Faltava aula todo dia, fugia de casa e começou a brigar com a avó que era tida como mãe e amiga. “Me tornei um zumbi, era uma personagem que surgiu para que aquela Diana não fosse bulinada e pisada”, explicou.
Dos 14 até os 22 anos foi esta vida, de rua, festas, drogas. A avó cansou e voltou para Chapecó. “Ela passava noites chorando e rezando pela minha conversão, para que eu voltasse a ser a Diana de antes”, relata. Na noite do Natal de 2013, ela brigou com a amiga com quem morava e foi parar na rua, com vários usuários de drogas. Ao ouvir o depoimento de um deles que disse: “eu escolhi o álcool e não a minha família”, teve um choque.
“Aquilo me fez acordar. Parecia que aquela zumbi que havia morado dentro de mim durante nove anos, tinha morrido. Eu disse para ele: anota num caderno. Vou engolir meu orgulho, pedir desculpa para minha família e voltar a ser a Diana que sempre fui”, afirmou.
A jovem se emociona ao contar que naquela noite sonhou com Deus. “Deus me acariciava e dizia que me amava mais que tudo. E que aquele tempo foi para que eu me tornasse a mulher que ele queria que eu fosse”.
Dois dias depois, com ajuda de um amigo, ligou para família. Em janeiro de 2014, a avó volta para Florianópolis e Cacilda Diana faz um acampamento de jovens católicos. Tudo mudou depois. Na noite da Páscoa daquele ano, a avó sofre um AVC e vem a óbito, aos 85 anos. Resultado: Cacilda caiu em depressão e recaiu nas drogas. Mas em outubro, ela pediu ajuda para uma nova comunidade que a levou para ser internada na Fraternidade O Caminho, no dia 06 de outubro de 2014.
No dia de Santa Clara, 11 de agosto de 2015, a moça começa uma nova vida. Hoje trabalha de carteira assinada, frequenta um grupo de oração toda semana e tem um sonho: “estar e permanecer em Deus e ajudar a salvar pessoas que tiveram histórias de vida semelhantes, aqueles que já perderam a esperança de viver. Só Deus pode fazer reviver qualquer pessoa. Levar outras pessoas para o mesmo caminho de ressurreição que eu tive”.
Matéria das páginas centrais da edição de abril de 2016, do Jornal da Arquidiocese.