Encontramos várias vezes no Evangelho a expressão “a outra margem”. É um convite que Jesus lança aos seus discípulos. Quando se passa para a outra margem se consegue ver a mesma realidade de um outro lugar. Consegue-se enxergar o que não se via antes. Na vida da pessoa esta realidade acontece de várias maneiras. Quando, por exemplo, o jovem recebe o seu primeiro salário, passa a repensar a sua vida, as suas atitudes, seus planos. Começa a pensar o seu futuro com muito mais confiança.

Muitas vezes na vida somos convidados a passar para a outra margem. São momentos muito importantes na vida da pessoa. São decisões, não se pode permanecer parado onde está. Por exemplo, o jovem que se casa repensa toda a vida, tudo é reorganizado a partir dessa decisão. Outras vezes o passar para outra margem não depende de uma decisão, mas de um acontecimento não desejado. É o que acontece quando somos atingidos por um acidente que obriga a mudar o ritmo da vida.

A pandemia provocada pelo coronavírus é um destes acontecimentos que muda toda a rotina das pessoas. Depois de um ano sob o impacto da Covid 19, é possível analisar as medidas que foram adotadas para combatê-la. A nova realidade pede que se reorganize a vida pessoal, social e política. A pandemia ultrapassou a área da saúde. Ela atingiu a economia das pessoas e do país. Tudo deve ser revisto. Não é possível falar em segurança e educação com os mesmos critérios de antes.

É preciso refazer a visão de conjunto na vida pessoal e social. É necessário reavaliar até mesmo as medidas adotadas no início da pandemia. Não basta cuidar dos infectados ou prevenir para que outros não sejam contagiados. Não é suficiente estabelecer grupos de risco ou manter a metade da população em quarentena. A vida reclama outras medidas, mesmo antes que a epidemia passe. É urgente que se pense em como viver, conviver, como trabalhar, como ganhar a vida. À medida que novas oportunidades vão surgindo, outras vão se apagando.

O relacionamento com Deus e a forma como expressar a fé e a religiosidade também mudam de lugar. Um comentário ao Evangelho da dracma perdida diz que quando Deus entra na vida da pessoa nada fica no lugar, tudo é reordenado. Toda realidade na vida das pessoas em que Deus não se faz presente se torna desfigurada, defeituosa. Também o enfrentamento da pandemia. A prática religiosa, isto é, o relacionamento com Deus e a vivência da caridade para com os outros ganham um novo enfoque. Além do que, a vivência da fé possibilita uma visão mais alargada do fenômeno da pandemia e de como enfrentá-la.

Por Dom Wilson Tadeu Jönck, SCJ
Arcebispo de Florianópolis

Artigo publicado na edição de fevereiro de 2021 do Jornal da Arquidiocese, página 2.

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