A periferia como espaço de aprendizado para a juventude de classe média e alta

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A periferia como espaço de aprendizado para a juventude de classe média e alta

Padre Vilson Groh recebeu recentemente a visita de um médico jovem italiano, que atuou voluntariamente nos projetos sociais do Instituto, em Florianópolis.

Confira abaixo, o testemunho emocionante deste jovem, do período em que esteve no Mont Serrat:

Meu nome é Marco, formei-me em medicina na cidade de Florença, em dezembro de 2016 e vivo em uma pequena cidade italiana chamada Pieve a Nievole.

Passei um mês em Florianópolis realizando uma experiência de vida, sob todos os aspectos: como voluntário, médico e jovem homem à procura da própria estrada.

Cheguei no último dia do carnaval, em fevereiro, em uma manhã quente e ensolarada. Graças a alguns amigos em comum, conheci o Pe. Vilson Groh, que me acolheu em sua casa e me acompanhou neste tempo tão precioso da minha vida.

No período de um mês foram tantas as coisas que pude fazer –  participei de reuniões das associações ligadas ao Instituo Vilson Groh; acompanhei vários encontros de formação para voluntários conduzidas pelo Pe. Vilson;  participei do “consultório de rua” que realiza um serviço cotidiano de assistência médica social aos moradores de rua; ajudei a servir refeições aos domingos na Catedral para moradores de rua; participei de vários cursos de espiritualidade em diferentes grupos de oração; prestei alguns dias de serviço ao abrigo do Monte Serrat com os jovens da comunidade.

Foi para mim um privilégio poder participar de tantas atividades e apoiar no que era possível. Colocar-se a serviço dos outros é uma experiência fundamental para se viver, que no meu caso trouxe descobertas inesperadas.

A primeira descoberta foi que o trabalho, através dos relacionamentos, muda o mundo. Eu viajei como voluntário com o intuito de dar uma mão a quem mais precisava, mas se posso ser sincero, do meu ponto de vista ‘italiano-burguês’, sempre pensei que a fome e a miséria fossem problemas tremendos e impossíveis para se resolver. Eu tinha a convicção de que o homem de boa vontade, mesmo que pudesse realizar muitas obras boas, não conseguiria realizar uma verdadeira e significativa diferença na vida de uma população. Na prática, não acreditava realmente que se pudesse mudar o mundo.

Eu estava errado, o trabalho das pessoas muda o mundo! As relações entre as pessoas mudam o mundo! Neste mês aprendi o conceito de rede que se realiza através do conhecer-se, o colocar-se à disposição, o trabalhar juntos, o acreditar naquilo que se faz. Eu aprendi que uma pessoa de boa vontade pode chamar uma outra e em dois realizar um trabalho para quem precisa.

Aprendi que presenciar duas pessoas que fazem o bem faz nascer dentro de si, um grande impulso a fazer o mesmo. Aprendi que para quem quer fazer o bem, existe um lugar adequado no mundo e que de um grupo de poucos voluntários pode nascer uma grande rede de associações e de homens que acreditam na mudança e lutam para isso.

Estava precisando ver esta mudança acontecendo, pois quanto a isso eu estava muito cético. Comoveu-me profundamente presenciar como muda o rosto de um jovem, que da tristeza passa à alegria por descobrir que tinha a possibilidade de estudar, mudar de vida, assim como também me comoveu a profunda gratidão e grande humanidade dos moradores de rua, cada vez que a nossa porta ficava aberta para atender cada necessidade deles. Essas são diferenças que podemos fazer e que rompem a miséria e levam centelhas de esperança lá onde se pensava que não existissem mais. Desse modo, a realidade muda ao nosso lado passo a passo.

Conheci uma comunidade de periferia que vive a vida com dignidade e simplicidade, duas qualidades que muito carece o mundo ‘rico’. Conhecer a dignidade de quem sofre foi realmente, para mim, um grande dom e uma grande descoberta desta viagem. Essa dignidade se tornou um exemplo, um modelo a atingir quanto ao enfrentamento dos problemas da vida. Muitíssimas vezes acontece que ‘nós ricos’ nos aproximamos das dificuldades do dia a dia de cabeça baixa, sem ardor, como se tudo fosse sempre maior do que nós e não pudesse nunca ser completamente resolvido.

A dignidade nos olhos dos sofredores me explica que talvez nem todos os problemas podem ser resolvidos completamente, mas a coragem do homem não deve nunca faltar. A dignidade dessas pessoas me fez entender que é importante lembrar sempre que somos os guardiões do maior mistério do mundo, que é a vida, e que qualquer coisa que aconteça, o valor da minha  pessoa, da minha existência e, para quem tem fé, do amor de Deus não poderão jamais faltar.

Somente quem luta pela vida pode entender real e profundamente, o significado da própria vida. Daí a importância fundamental do trabalho voluntário, gratuito, do serviço dos outros. Se nós iniciamos a lutar para defender a dignidade e a vida dos outros, assim como fazemos conosco, podemos compreender infinitas coisas a mais sobre nós mesmos.

Consegui entender mais claramente o Papa Francisco quando, na sua mensagem dirigida à comunidade de Monte Serrat, convida a olhar a vida com olhos belos, porque a vida é bela. Essa foi a descoberta mais importante, descobrir a beleza da vida e descobri-la entre as pessoas que sofrem e lutam, entre os que ajudam como voluntários e quem o faz como profissão.

Se respeitamos a vida e respeitamos as pessoas é possível enxergar a beleza em todo lugar, também nas situações de maior miséria. Esta beleza deve ser preservada e dividida, não podemos deixar que ela seja ofuscada pela falsa beleza do materialismo de hoje.

Muitas vezes ouvi de pessoas que tinham feito experiências de trabalho voluntário, que aquilo que receberam foi muito maior do que aquilo que doaram. Isto pode parecer banal, pode até ser, mas não importa. O importante é experimentar esta vivência, senti-la na própria pele. Somente assim se poderá entender o seu significado, indo além das palavras e dos lugares comuns. A beleza desta troca é que transforma os papéis e perspectivas.

Os últimos não são mais últimos, os primeiros não mais os primeiros. Abandona-se o assistencialismo por uma verdadeira, humana simbiose: ser necessários uns para os outros, sem mais nenhuma distinção entre classes sociais. Acredito que seja esta a verdadeira perspectiva de um trabalho como voluntário e não somente, creio que seja a justa maneira para crescermos juntos, na nossa profissão e na vida.

Concluindo, agradeço ao Pe. Vilson Groh e a cada pessoa que me acompanhou nesta viagem, mesmo se por breve tempo. Agora distantes podemos continuar juntos a luta pela vida, aquela nossa e a dos outros, fortificados pelas grandes descobertas que as relações verdadeiras e profundas sempre levam consigo, olhando a vida juntos com olhar belo, dirigido ao próximo”.

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